Novas pesquisas comprovam a eficiência
das agulhas em um conjunto de doenças muito maior do que se imaginava.
Seus benefícios se estendem do tratamento de enfermidades como depressão
e obesidade a tratamentos de beleza
A acupuntura já se consagrou como método eficiente para
aliviar dores. Agora, embasada por sólidas pesquisas científicas
realizadas em todo o mundo, suas aplicações começam a se expandir. A
prática é usada contra doenças como a depressão, na recuperação de
sequelas de acidente vascular cerebral e até em procedimentos de beleza.
O avanço do método, nascido na China, em terras ocidentais é
consequência de algumas transformações ocorridas nos últimos anos. A
primeira foi a demanda crescente por técnicas que melhoram a saúde sem a
necessidade de se recorrer a remédios. A acupuntura se ajusta
perfeitamente nesse quesito. A segunda deve-se ao fato de que a medicina
finalmente encontrou meios de avaliar com mais refinamento científico o
efeito das agulhas no organismo. Hoje, os cientistas estão recorrendo a
testes moleculares e ao que há de mais avançado em tecnologia
diagnóstica, como os exames de imagem (a exemplo da ressonância
magnética funcional, que permite ver o cérebro em movimento), para obter
respostas.
As pesquisas se dividem em duas grandes áreas. Uma mensura o impacto
da técnica no alívio dos desconfortos associados a diversas doenças.
Outra elucida os mecanismos neurofisiológicos por meio dos quais a
inserção das agulhas em pontos específicos promoveria os benefícios.
“Dessa abordagem estão surgindo dados que descrevem como a técnica
funciona, incentivando a ampliação das situações às quais ela
comprovadamente se aplica”, diz o clínico-geral Alexandre Yoshizumi,
presidente do Colégio Médico de Acupuntura de São Paulo. Ele participou
de um estudo sobre dor lombar conduzido por Tatiana Hasegawa e orientado
pelo médico Jamil Natour, da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), que foi publicado na prestigiosa revista científica “British
Medical Journal”.
Respaldada nesses achados, a acupuntura se firma em áreas fora de sua
terra natal, nas quais não se cogitava sua participação. Uma dessas
atribuições mais originais é o auxílio na regulação do funcionamento do
sistema cardiovascular. “Estamos começando a compreender como a prática
age na hipertensão e reduz problemas como a isquemia do miocárdio”,
explica John Longhurst, da Universidade da Califórnia (Eua). Ele assina
uma revisão de estudos experimentais sobre a utilização da técnica no
combate de enfermidades cardíacas.
A isquemia consiste na diminuição do afluxo de sangue numa parte do
organismo, ocasionando consequente redução de oxigênio e de nutrientes
na região. No caso citado por Longhurst, a isquemia afetou o miocárdio, o
músculo do coração. O que se sabe é que a acupuntura promove um aumento
na liberação de hormônios com poder de excitar ou inibir o ritmo de
trabalho do sistema nervoso central. Isso pode incentivar a melhor
irrigação sanguínea dos tecidos.
Outra análise, empreendida por acadêmicos chineses, examinou quatro
importantes trabalhos sobre a prática e a hipertensão. Verificou-se que a
acupuntura atua como coadjuvante e reduz a pressão em pacientes que
tomam anti-hipertensivos, mas que, com os remédios, não obtêm mais
progressos. Se pela medicina chinesa o efeito surge do reequilíbrio das
energias yin e yang, a ciência ocidental indica que as agulhas influem
positivamente no sistema renina-angiotensina (importante na regulação da
pressão) e modulam a atividade endócrina, diminuindo a produção das
substâncias aldosterona e angiotensina II. Os dois mecanismos estão na
base do processo da hipertensão.
Um impacto também comprovado mais recentemente ocorreu na recuperação
de pacientes com sequelas motoras e cognitivas após acidentes
vasculares cerebrais (AVC). “O método é eficaz nesses casos”, diz o
médico Wu Tu Hsing, diretor do Centro de Acupuntura do Instituto de
Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP). Hsing é
responsável por um estudo publicado há pouco tempo sobre o tema. O
médico selecionou 60 pacientes que haviam sofrido AVC e apresentavam
dificuldade de movimento nas pernas. O grupo foi dividido em dois. Um
recebeu a aplicação das agulhas. Outro foi submetido à acupuntura
placebo (simula-se sua aplicação). A experiência durou dez semanas, com
duas sessões semanais. “Os que foram tratados de verdade manifestaram
melhora de 20% em relação aos outros”, informou o pesquisador. Hoje, o
HC/SP – referência em pesquisa médica no País – oferece sessões do
método para ajudar na recuperação de AVC. A rede de Reabilitação Lucy
Montoro, em São Paulo, também utiliza a prática como recurso
complementar aos tratamentos convencionais.
Há um esforço imenso para descobrir as reações por trás da
recuperação motora e de outras capacidades funcionais prejudicadas por
causa de um AVC ou de uma paralisia cerebral – outra condição para a
qual a prática demonstra benefícios. Uma das equipes empenhadas em
esclarecer essas dúvidas é a da Universidade Bastyr (Eua). Lá, os
cientistas criaram agulhas feitas de um material especial para avaliar
as respostas cerebrais decorrentes da eletroacupuntura. Derivada da
acupuntura tradicional, a técnica consiste na aplicação de corrente
elétrica através das agulhas inseridas em pontos do corpo. As tais
agulhas permitem que os cientistas investiguem os efeitos das descargas
elétricas sem que haja interferência dos campos magnéticos de aparelhos
de imagem que mostram o cérebro em funcionamento. “Encontramos a
ferramenta certa para investigar. Isso possibilitará avanços e um grande
número de estudos”, disse a pesquisadora Leanna Standish, que coordena o
trabalho.
O aprimoramento das pesquisas ajudará a pautar o uso da técnica na
terapia das doenças mentais. Por ora, o que se tem são estudos que
constatam associação proveitosa contra a depressão, de forma
complementar aos remédios. Pesquisadores da Universidade Southern, na
China, por exemplo, compararam a eficácia da eletroacupuntura combinada a
um antidepressivo com a da terapia feita apenas com remédio. “A
acupuntura acelera o início do efeito terapêutico da medicação contra
sintomas depressivos, ansiosos e do transtorno obsessivo compulsivo”,
disse Yong Huang, líder da pesquisa. O estudo saiu na revista científica
“Neural Regeneration Research”.
Outra experiência, feita na Universidade de York, na Inglaterra,
constatou que a prática pode ser tão eficaz na contenção dos sintomas
quanto o aconselhamento psicológico. A conclusão foi obtida após a
análise de 755 pacientes com depressão moderada e severa. “As pessoas
que têm depressão, que tentaram várias opções médicas e que não estão
obtendo benefícios deveriam tentar a acupuntura ou o aconselhamento como
opções de ajuda que se mostraram agora clinicamente efetivas”, afirmou
Hugh MacPherson, coordenador do estudo.
Um experimento singular na área de doenças psiquiátricas também chama
a atenção. A técnica foi empregada de forma pioneira no tratamento da
esquizofrenia, enfermidade que até hoje representa um grande desafio
para a medicina. A descrição do caso foi feita por pesquisadores da
Radboud University Nijmegen, na Holanda. Os cientistas incluíram sessões
de acupuntura às intervenções terapêuticas indicadas a uma mulher de 63
anos com esquizofrenia crônica. Entre outros sintomas, ela sofria de
dores físicas em consequência de uma alucinação persistente sobre um
pássaro preto que a bicava sem parar. Ao final de três meses, ainda que
as alucinações persistissem, a paciente se sentia menos perturbada e
suas dores, curiosamente, haviam diminuído bastante. A qualidade do sono
melhorou e viu-se que traços depressivos foram amenizados. Para a
cientista Peggy Bosch, que conduziu o trabalho, os resultados obtidos
sugerem que a acupuntura pode ser uma ferramenta adicional para tratar a
enfermidade.
A curiosidade científica está levando a outras descobertas sobre o
potencial da técnica. Exemplo disso é a pesquisa feita pelo imunologista
Luis Ulloa, da New Jersey Medical School (Eua). Para conferir o poder
anti-inflamatório da eletroacupuntura, ele aplicou a técnica em cobaias
com sépsis, doença infecciosa grave que pode causar também uma intensa
reação inflamatória – esta última, na verdade, responsável por boa parte
das mortes causadas pela enfermidade. “Usamos a eletroacupuntura para
ativar os nervos ciático e vago e a glândula adrenal, elevando a
produção de dopamina pela adrenal”, disse à ISTOÉ o cientista Juan
Manuel Rico, da equipe de Ulloa. “Estudos mais atuais mostram que essa
glândula não funciona bem em grande parte dos pacientes com septicemia.
Vimos também que, sem ela, os ratos não reagem à eletroacupuntura”,
explica Juan Manuel. O resultado foi que, a partir da estimulação dos
pontos, houve a inibição da produção de substâncias do grupo das
citocinas que estão associadas à inflamação.
Um fenômeno positivo igualmente surpreendente é o que se vê na área
da medicina esportiva. “A prática dá ótimos resultados tanto para
recuperar atletas como para aumentar a performance física”, assegura o
clínico-geral Alexandre Yoshizumi, de São Paulo. Um levantamento feito
por pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina e do Centro
Universitário de Maringá, ambos no Paraná, endossa a afirmação do
médico. Após reunirem mais de 20 trabalhos científicos com atletas de
diferentes modalidades, como ciclismo, handebol, basquete e velocistas
de alto rendimento, os cientistas concluíram que a prática pode ser
usada para aprimorar aspectos como velocidade, força de explosão,
resistência e outras capacidades relacionadas ao desempenho esportivo.
Os autores da revisão vão além. Eles defendem que um acupunturista
desportivo já deveria estar presente nas equipes de alto rendimento, a
fim de melhorar a performance final dos atletas.
Uma das explicações para esse tipo de efeito emergiu do trabalho
feito pela pesquisadora japonesa Akiko Onda, da Escola de Ciências do
Desporto da Universidade de Waseda, no Japão. Por quatro anos, ela
estudou, em cobaias, os efeitos da acupuntura a nível molecular (na
expressão dos genes) para conter a perda muscular. “Comprovamos que a
técnica reduz a atrofia da musculatura esquelética, aquela que se liga
aos ossos”, disse Akiko à ISTOÉ. De acordo com a pesquisadora, esse
desfecho é consequência da ação das agulhas na expressão de genes
associados a esse processo. O próximo passo será realizar o estudo em
seres humanos.
A exploração dos benefícios do método envolve também formas menos
ortodoxas do que a conhecida introdução das agulhas. O ortopedista e
acupunturista André Tsai, coordenador do curso de especialização em
acupuntura da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, por
exemplo, está utilizando fios cirúrgicos chamados CatGut (pronuncia-se
catigu) para tratar a obesidade. A técnica está difundida nos Estados
Unidos. “Insiro os fios, com a ajuda das agulhas, sob a pele, em pontos
de acupuntura para ajudar no controle da ansiedade e do apetite”, diz
Tsai. Como são feitos de material absorvível pelo organismo, não
precisam ser retirados. “Os efeitos variam a cada paciente”, diz Tsai.
“Evidentemente, o método não pode ser usado por pessoas que ainda não
foram avaliadas por um médico para saber se apresentam doenças
associadas ao excesso de peso”, ressalva.
A eficácia da prática contra o excesso de peso está evidenciada por
várias pesquisas científicas. Entre elas, estão os resultados obtidos em
um estudo publicado no jornal especializado “Acupuncture in Medicine”.
No trabalho, foi constatado que a marcação de cinco pontos na orelha
relacionados ao acúmulo de gordura (estariam vinculados à fome, ao
estômago e ao sistema endocrinológico, entre outros) reduziu em 6% o
Índice de Massa Corporal (IMC) de indivíduos com sobrepeso e obesos que
participaram do experimento. Quando o estímulo foi aplicado em um único
ponto (o da fome), a diminuição foi de 5,7%.
NOVAS FRONTEIRAS
O médico Alexandre Yoshizumi, de São Paulo, usa a técnica
contra sequelas de AVC e lesões esportivas
Até áreas relegadas a segundo plano estão sendo revisitadas pelos
médicos com formação em acupuntura. Na Universidade Federal de São
Paulo, por exemplo, investigam-se os resultados do uso das agulhas para
problemas estéticos como rugas faciais, flacidez nos braços, no pescoço,
na parte interna da coxa, olheiras e cicatrizes de acne. Os ganhos são
creditados à melhora da circulação sanguínea, da oxigenação e,
acrescentando uma pitada de cultura chinesa, da energia vital circulante
no local em consequência dos estímulos da eletroacupuntura. “Trabalhos
realizados em nosso ambulatório confirmam clinicamente uma melhora na
elasticidade. Indiretamente, isso mostra que ocorreu uma produção
adequada de colágeno, embora isso não tenha ainda sido comprovado
cientificamente”, relata a dermatologista Maria Assunta Nakano,
responsável pelo Ambulatório de Acupuntura em Dermatologia do Setor de
Medicina Chinesa da Unifesp. O colágeno é uma proteína fabricada pelo
organismo e é responsável por dar sustentação à pele. A médica também
adverte que só há benefício para rugas menos profundas.
A instituição paulista, que há três anos implantou um ambulatório de
acupuntura voltado apenas para crianças, promete reforçar seu
pioneirismo na área. “Em breve faremos estudos em humanos para analisar a
eficácia das agulhas na prevenção de doenças em pessoas com graves
problemas renais”, informa o médico Ysao Yamamura, introdutor do método
na instituição.
Fotos: João Castellano/Ag. Istoé, Pedro Dias, João Castellano –Ag. Istoé, Gabriel Chiarastelli; Rob Forman
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