No
Budismo, há uma frase "recitando o sutra." Um sutra é um ensinamento do
Buda. Algumas vezes nós cantamos sozinhos, às vezes com uma comunidade
de praticantes chamada Sangha. Algumas vezes nós recitamos
silenciosamente em nosso coração, às vezes para fora. Às vezes nós
recitamos com a energia de plena consciência, fé, e compaixão. Às vezes
nós recitamos como um papagaio, atento ao som mas sem prestar nossa
atenção ao significado das palavras.
Por
que nós cantamos sutras? Primeiro para estar em contato com os
ensinamentos que o Buda nos deu, estar em contato com o entendimento do
Buda. Também recitando nos dá uma oportunidade para regar as sementes do
que é bonito, bom, e fresco em nossa própria consciência.
Nós
deveríamos recitar o sutra como uma oração? Se nós entendermos a
palavra "oração" em seu significado profundo, isto é, oração sendo
baseada em nossa prática de plena consciência, e concentração, nós
poderíamos dizer que recitar o sutra também é oração.
Além
de recitar os sutras, budistas têm também cantos que podem parecer
muito com oração. (…) Você poderia chamar este canto de um desejo. Mas o
ato de recitar ou cantar ou rezar não é só um desejo vazio se atrás das
palavras da oração há uma prática. No Budismo, esta prática é a prática
de plena atenção e de manter a concentração nas palavras do sutra. As
palavras da oração estão baseadas na força que nós temos em nós mesmos.
Quando nós não tivermos a força da prática em nós, então há pouca ou
nenhuma força de fora que pode vir para nós.
No canto, "Oferecendo o Mérito para Acabar com Obstáculos do Karma" nós recitamos estas linhas:
Nós juramos acabar com os três obstáculos e transformar as aflições.
Nós juramos perceber a sabedoria que vê as coisas claramente como são.
Que nosso desejo de acabar com estes obstáculos possa ser percebido universalmente.
Por todas as gerações possa ser praticado o caminho de bodhisattva.
Jurar
acabar com obstáculos e transformar as aflições é um desejo. Nós
trazemos este desejo e dirigimos isto para o Buda, assim ele pode nos
ajudar a liberar de aflições e tomar consciência da sabedoria. Mas
quando nós recitarmos estas linhas, nós não estamos entregando este
desejo ao Buda. Nós estamos juntando nossas forças internas e estamos
combinando isto com a força que existe fora de nós.
O
canto "Seu Discípulo Se curva em Respeito" simboliza o espírito da
oração no Budismo. É uma oração que está baseada em nossa prática, e que
depende da nossa própria força como também da força existente fora de
nós. Nós sabemos que se a força dentro de nós não existir, então a força
fora de nós também não existirá. Aqui é uma estrofe daquele canto:
Seu discípulo para muitas vidas, muitas eras,
Foi pego nos obstáculos de karma, desejo, raiva, arrogância, ignorância, confusão, erros,
E hoje, graças a conhecer o Buda,reconheceu os seus enganos
E sinceramente começa novamente.
Estas
palavras são um modo de olhar no espelho para entender a verdade sobre o
que aconteceu conosco. O praticante está trazendo a luz de plena
consciência para iluminar a própria situação. Cantando, vemos como no
passado podemos ter sido inábeis. Por cantar, e graças à luz de
compaixão do Buda, nós podemos ver aonde nós cometemos erros. Estamos
determinados a não continuar agindo mais da mesma maneira. Nós juramos
evitar ações não saudáveis, juramos fazer o que é saudável. Estas
palavras nos lembram que nós, depois de aprender os ensinamentos do
Buda, podemos aplicar esses ensinamentos em nossas próprias vidas.
Aqui está outro canto que é uma oração tradicional no Vietnã conhecido por até mesmo crianças pequenas:
Confiando no favor do Buda
Cuja compaixão nos protegerá,
Nosso corpo possa não estar doente
E nossa mente não esteja aflita.
Prática,
como oração, é para os dois aspectos de vida, nosso corpo e nossa
mente, estarem com boa saúde. Por que queremos que nosso corpo não
esteja doente e nossa mente não esteja aflita? Não porque queremos
correr atrás de nossos desejos sensuais, mas de forma que dia após dia
possamos estar contentes praticando o Buddhadharma maravilhoso, e de
forma que possamos estar rapidamente livres das amarras do nascimento e
morte. Praticamos para que a querida mente tenha insights da verdadeira
natureza de coisas e possa liberar todas as espécies de seres vivos.
Este é nosso grande voto.
Recentemente,
uma praticante veio para Plum Village. Ela estava muito doente com
câncer. Monja Chan Khong, um das monjas de Plum Village e uma amiga
íntima de muitos anos, falou com esta praticante e descobriu que a avó e
avô da mulher tinham vivido até as idades de noventa e quatro e noventa
e cinco anos. Assim Monja Chan Khong sugeriu que ela rezasse aos seus
avós. "Avô, avó, vem e me ajude". Nós rezamos assim porque em nossos
próprios corpos estão os corpos de nossos avôs e avós. Nossos avós podem
ter falecido, mas as células saudáveis deles ainda estão presentes em
nós e nós podemos chamá-los a vir e nos ajudar. Quando nós chamarmos por
nossos avós, vemos claramente que eles e nós somos um.
Outra
noite quando eu estava praticando meditação sentada, enviei minha
energia a Irmã Darn Nguyen, uma monja que estava muito doente, em Hanói,
no Vietnã. Quando nós praticarmos compaixão, quando nós meditarmos com
nosso foco em compaixão, então nós praticamos amor. Esta transmissão de
energia é uma forma de oração. Irmã Darn Nguyen desfrutou de uma
recuperação notável; mas isso não é o único ponto. Quando nosso coração
estiver cheio de amor, então nós estamos criando mais amor, paz, e
alegria no mundo.
Quando
enviarmos a energia de amor e compaixão a outra pessoa, não importa se
eles souberem que nós estamos enviando. A coisa importante é que a
energia e o coração de amor estão presentes e estão sendo enviados ao
mundo. Quando amor e compaixão estão presentes em nós, e os enviamos,
então isso verdadeiramente é oração.
Enviando
amor, nós poderemos notar uma mudança em nosso próprio coração. Aquela
oração começou a ter um resultado dentro de nós. Quando a Irmã Darn
Nguyen estava aqui em Plum Village, as outras monjas tomaram conta dela e
lhes deram muito amor. Todo aquele amor e energia ainda estão dentro
dela e dentro de cada um de nós. Se nós voltarmos a nós mesmos e
estivermos em contato com aquela energia, então teremos mais energia
para curar o corpo e mente do outro.
Às
vezes nós rezamos para a saúde ou felicidade dos outros. Mas às vezes
nós simplesmente rezamos para os outros mudarem. Havia uma mulher em
Taipei que sofreu grandemente porque o marido dela jogava. Ela era uma
budista e diariamente ela ia para o templo e rezava para que o marido
deixasse de jogar. Diariamente a relação entre ela e o marido era de
grande sofrimento. Ela sentia que estava labutando dia e noite para
tomar conta da casa enquanto ele apenas perdia dinheiro e não tinha
nenhuma consideração para a esposa e os filhos. Ela não estava pedindo
dinheiro, sucesso, ou saúde. Ela apenas rezava para alguém vir e
salvá-la de algum modo, persuadindo o marido a deixar de jogar.
Mas
se esta mulher continua simplesmente indo para o templo rezar para que o
marido dela deixe de jogar, isso é oração efetiva? O budismo ensina que
nós precisamos ter uma prática associada à nossa oração. Na oração tem
que haver plena consciência, concentração, insight, bondade, e
compaixão. Raiva culpa, ciúme, e despeito não são suficientes. Nós
precisamos da energia de plena consciência, concentração, compreensão, e
amor para colocar corrente elétrica no fio. Caso contrário, como as
palavras de nossa oração podem alcançar as orelhas da pessoa para quem
estamos rezando? Se a mulher pudesse ver que ela e o marido estão
conectados fortemente um ao outro, e que as ações dela e dele são
conectadas, ela poderia ter algum insight no problema que a incomoda.
Como
nós rezamos? Nós rezamos com nossa boca e nossos pensamentos, mas isso
não é o bastante. Nós temos que rezar com nosso corpo, fala, e mente e
com nossa vida diária. Com plena atenção, nosso corpo, fala, e mente
podem se tornar um. No estado de unidade de corpo, fala, e mente, nós
podemos produzir a energia de fé e amor necessária para mudar uma
situação difícil.
Oração
efetiva é composta de muitos elementos, mas há dois que parecem ser os
mais importantes. O primeiro é estabelecer uma relação entre nós mesmos e
a pessoa para quem estamos rezando. É o equivalente a conectar um fio
elétrico quando nós queremos nos comunicar através de telefone.
Anteriormente,
eu fiz a pergunta: Para quem rezamos? E eu respondi, o que reza e o que
recebe a oração são duas realidades que não podem ser separadas uma da
outra. Isto é básico no Budismo, e eu estou bastante seguro que em toda
religião existem os que praticaram há muito tempo e têm esta
compreensão. Eles podem ver que Deus está em nosso coração. Deus é nós e
nós somos Deus. O gatha de visualização inteiro é assim:
O que se reverencia e o que é reverenciado são ambos, por natureza, vazios.
Então a comunicação entre eles é indizivelmente perfeita.
O
primeiro elemento de um método efetivo de oração é a comunicação entre
nós mesmos e o ser para quem nós estamos rezando. Como somos
interconectados com o ser que estamos rezando, nossa comunicação não é
dependente do tempo ou espaço. Quando nós meditarmos, a comunicação é
percebida imediatamente e nós estamos unidos. Nesse ponto, há
eletricidade no arame.
Nós
sabemos que quando uma estação de televisão envia seu sinal até o
satélite de telecomunicações e chega até nossa televisão, certo tempo é
necessário para as ondas serem transmitidas pelo espaço. Mas a
comunicação da oração existe completamente fora do espaço e tempo. Nós
não precisamos de um satélite. Não temos que esperar um ou dois dias por
um resultado; o resultado é imediato. Quando você fizer café
instantâneo, embora você chame isto instante, você tem que ferver a
água, precisa de tempo para fazer seu café. Só então você pode beber o
café. Mas na oração, nós não precisamos esperar tempo algum, nem mesmo
um momento.
O
segundo elemento que precisamos para a oração é energia. Nós já
conectamos o fio do telefone, agora nós precisamos enviar uma corrente
elétrica por ele.
Na
oração, a corrente elétrica é o amor, plena atenção, e concentração
correta. Plena atenção é a real presença de nosso corpo e nossa mente.
Nosso corpo e nossa mente são dirigidos para um ponto, o momento
presente. Se isto estiver faltando, não somos capazes de rezar, não
importa nossa fé. Se você não estiver presente, quem estará rezando?
Para
rezar efetivamente, nosso corpo e mente têm que morar pacificamente no
momento presente. Quando você tiver em plena atenção, então você tem
concentração. Esta é a condição que conduzirá a prajña, a palavra
sânscrita para insight e sabedoria transcendente. Sem isso, nossa oração
é só superstição.
Do livro “The energy of prayer” – Thich Nhat Hanh
Fonte: Fonte: Blog AUM MAGIC
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