quinta-feira, 26 de abril de 2012

Os Três Refúgios

Os Três Refúgios
 
Aquele que está desperto, que sabe, que compreende, é chamado de Buda. Ele existe em todos nós. Podemos nos tornar despertos, compreensivos e também amorosos. Eu sempre digo às crianças que se os pais delas são compreensivos e amorosos, trabalhando, tomando conta da família, sorrindo, sendo amáveis como uma flor, elas podem dizer: Mamãe e papai, vocês hoje são Budas plenos.

Há 2.500 anos atrás existiu uma pessoa que praticou isso de tal forma que seu entendimento e amor tornaram-se perfeitos, e todos no mundo reconheceram isso. Seu nome era Siddhartha. Era muito jovem ainda, quando começou a ver que a vida contém muito sofrimento; que as pessoas não amam umas às outras; não se compreendem suficientemente. Deixou então o seu lar e foi para a floresta praticar meditação, respiração e sorriso. Ele se tomou monge tentou praticar, a fim de desenvolver seu despertar, sua compreensão e amor ao mais alto nível.

Praticou meditação sentada e andando por vários anos, juntamente com mais cinco amigos que também eram monges. Embora fossem inteligentes, cometeram erros. Por exemplo, eles comiam somente uma fruta - manga, goiaba ou carambola - por dia. As pessoas às vezes exageram dizendo que Siddhartha comia apenas um grão de gergelim por dia. Eu estive na Índia, na floresta em que ele praticava, e sei que isso é bobagem; pois lá não há gergelim. Estive também no rio Anoma, onde ele se banhou várias vezes, e também na árvore Bodhi, sob a qual ele se sentou e se tomou um Buda. A árvore Bodhi que eu vi é a tataraneta da primeira árvore Bodhi. (...)

Quando dizemos: Eu me refugio em Buda, deveríamos entender também o Buda se refugia em mim; porque sem a segunda parte, a primeira não é completa. Buda necessita de nós para que o despertar, o amor e a compreensão possam se tornar reais e não meros conceitos. Essas coisas devem ter efeitos concretos na vida. Sempre que eu digo: Eu me refugio em Buda, ouço: Buda se refugia em mim. Esta é uma poesia para quando se plantar uma árvore ou qualquer outra planta:

Eu me confio à terra,
A terra se confia a mim.
Eu me confio ao Buda
O Buda se confia a mim.

Eu me confio à terra. É como: Eu me refugio no Buda (Eu me identifico com as plantas). A planta vive ou morre em função da terra. A planta se refugia na terra, no solo. E a terra se confia a mim, porque cada folha que cal e se decompõe torna o solo mais rico. Nós sabemos que a camada mais rica e bonita do solo é formada pela vegetação. Nossa Terra é verde e bela por causa da vegetação.

Assim, da mesma forma que o verde precisa da Terra, a Terra precisa da vegetação para expressar-se como um planeta belo. Assim, quando dizemos Eu me confio à terra, eu, que sou planta, devo ouvir também a outra versão: a terra se confia a mim. Eu me confio ao Buda, o Buda se confia a mim. Isso torna bem claro que a sabedoria, a compreensão e o amor de Shakyamuni Buda precisam de nós para se tornarem outra vez realidade. Assim, nossa tarefa é muito importante: realizar o estado desperto, realizar a compaixão, realizar o entendimento. Todos nós somos Budas, porque só através de nós é que a compreensão e o amor se tomam tangíveis e efetivos.

Thich Thanh Van foi morto durante seu empenho em ajudar os outros. Ele foi um bom budista, um bom Buda, porque foi capaz de ajudar dezenas de milhares de pessoas vítimas da guerra. Através dele o despertar, a compreensão e o amor se tomaram reais. Podemos, pois, chamá-lo de buddhakaya, o que em sânscrito significa corpo de Buda. Para o budismo ser real é necessário que haja um buddhakaya, ou seja, uma personificação da atividade desperta. De outra forma o budismo é apenas uma palavra. Thich Thanh Van era buddhakaya. Shakyamuni Buda era um buddhakaya. Ao realizar o ato de despertar, compreender e amar, cada um de nós é buddhakaya.

A segunda jóia é o Dharma, isto é, o que Buda ensinou. É o caminho da compreensão e amor - como entender, como amar, como transformar essas coisas numa realidade. Antes de morrer, Buda disse aos seus discípulos: - Meus caros, meu corpo físico não estará mais aqui amanhã, mas o corpo do meu ensinamento estará sempre aqui para ajudá-los. Considerem-no como seu mestre, um mestre que jamais se separa de vocês.

Esse foi o nascimento do dharmakaya. O Dharma tem um corpo, o corpo dos ensinamentos ou o corpo do caminho. Como você pode ver o significado de dharmakaya é muito simples, embora as pessoas o tenham tornado complicado. Dharmakaya significa apenas os ensinamentos de Buda, a forma de realizar a compreensão e o amor. Mais tarde tornou-se uma espécie de fundamento ontológico do ser.

Qualquer coisa pode ajudar a despertar sua natureza búdica. Quando estou só e algum pássaro me chama, retorno a mim mesmo, respiro e sorrio e, às vezes, ele volta a me chamar. Então sorrio e respondo: - Já estou ouvindo-o. Não só os sons como também as paisagens podem relembrá-los de retornarem a si mesmos. Ao abrir a janela de manhã e ver a luz inundar o ambiente, você pode reconhecer isso como a voz do Dharma, e isso se torna parte do dharmakaya.

Essa é a razão por que as pessoas despertas vêem a manifestação do Dharma em todas as coisas. Num seixo, num bambu, no choro de uma criança, qualquer coisa pode ser a voz do Dharma chamando. Nós devíamos ser capazes de praticar dessa forma.

Certa vez um monge se dirigiu a Tue Trung, o mais Ilustre professor de budismo no Vietnã no século XIII, tempo em que o budismo florescia no país: - O que é dharmakaya puro, imaculado? - perguntou o monge. E Tue Trung apontou-lhe o excremento de um cavalo. Essa foi uma abordagem irreverente do dharmakaya, porque as pessoas estavam usando a palavra imaculado para descrevê-lo. Você não pode usar palavras para descrever o dharmakaya. Mesmo que se diga que é imaculado, puro, Isso não significa que ele seja separado das coisas que são impuras. A realidade última está além dos adjetivos puro e impuro. De modo que sua resposta foi para sacudir a mente do monge, para fazê-lo desvencilhar-se de todos os adjetivos e assim poder enxergar a natureza do dharmakaya.

Um mestre também é parte do dharmakaya, porque ele nos ajuda a despertar. Sua aparência, sua forma de viver o dia-a-dia, sua forma de lidar com as pessoas animais, plantas, nos ajudam a atingir o entendimento e o amor em nossa vida. Existem muitas formas de ensinar: por livros, por palavras, por fitas gravadas. Eu tenho um amigo que é mestre Zen no Vietnã; é muito conhecido, mas não são muitas pessoas que podem estudar com ele. Por isso, fazem gravações de suas palestras e ele passou a ser conhecido como o monge K-7.

Mesmo que não ensine, simplesmente sendo ele nos ajuda a despertar, porque ele é parte do dharmakaya. Este não é expresso só por palavras, por sons. Pode expressar-se simplesmente sendo. Às vezes ajudamos mais quando não fazemos nada do que quando fazemos muito. Chamamos isso de não-ação. É como a pessoa calma no barco em meio à tempestade. Essa pessoa não precisa fazer muito, basta ser como é, e a situação muda. Esse é também um dos aspectos do dharmakaya: sem falar, sem ensinar; apenas sendo.

Essa verdade concerne não somente aos seres humanos, mas também a outras espécies. Olhe para as árvores do pátio. Um carvalho é um carvalho. Isso é tudo o que ele tem a fazer. Agora, se o carvalho é menos que um carvalho, então todos nós estamos em dificuldades. Portanto, o carvalho está pregando o Dharma. Sem fazer nada sem servir na Escola da Juventude para Serviços Sociais, sem pregar, sem mesmo sentar em meditação; o carvalho nos é muito útil, simplesmente por existir. Toda vez que olhamos para um carvalho, ganhamos confiança. Durante o verão sentamos sob ele e nos refrescamos nos sentimos relaxados. Sabemos que se o carvalho e as outras árvores não existissem, não teríamos ar bom para respirar.

Sabemos também que em nossas vidas anteriores fomos árvores. Pode ser mesmo que tenhamos sido um carvalho. Isso não é só budismo, isso é científico. O ser humano é uma espécie muito nova, nós aparecemos na terra só recentemente. Antes disso éramos rocha, gás minerais e depois seres unicelulares. Agora nos tornamos seres humanos. Temos que nos relembrar de nossas existências passadas. Isso não é difícil. Apenas sente, respire e observe; e você poderá ver suas existências passadas. O carvalho não sofre quando o xingamos. Quando o elogiamos tampouco levanta o nariz. Podemos aprender o Dharma com o carvalho; portanto, ele é parte do nosso dharmakaya. Podemos aprender de tudo o que existe em todos e dentro de nós. Mesmo que não estejamos num centro de meditação, podemos praticar em casa, porque o Dharma está presente em torno de nós. Tudo prega o Dharma. Cada seixo, cada folha, cada flor está pregando o Sadharma Pundarika Sutra.

Sangha é a comunidade que vive consciente e em harmonia. Sanghakaya é um novo termo em sânscrito. A sangha também precisa de um corpo. Quando você está com sua família e pratica respiração e sorriso, reconhecendo o corpo de Buda em você e em seus filhos então sua família se toma uma sangha. Se você tiver um sino em seu lar este se toma parte de seu sanghakaya, porque o sino ajuda-o a praticar: Se você tiver um zafu, este também torna-se parte do sanghakaya.

Muitas coisas podem nos ajudar a praticar. O ar para respirar. Se tiver um parque ou um rio perto de sua casa, sorte sua: porque você pode aproveitar para praticar meditação andando. Você mesmo tem que descobrir seu sanghakaya, convidando um amigo, para praticar com você na meditação do chá; ou sentando com você ou acompanhando-o na meditação andando. Todos esses esforços são para estabelecer seu sanghakaya em casa. É mais fácil praticar quando se tem um sanghakaya.

Antes de ter se tornado Buda, Siddhartha foi deixado pelos cinco monges que o acompanhavam, quando começou a tomar leite. Assim, ele fez da árvore Bodhi seu sanghakaya. Fez do menino- dos-búfalos, da leiteira do rio, das árvores, seu sanghakaya. Existem no Vietnã pessoas que vivem em campos de reeducação. Elas não têm uma sangha; não têm um centro Zen. Mas praticam. Elas têm que olhar outras coisas como parte de seu sanghakaya. Conheço pessoas que praticam meditação andando dentro de suas celas na prisão. Elas me contaram isso depois de terem sido libertadas. Portanto, nós que temos a sorte de poder contar com tantas coisas para estabelecer nosso sanghakaya não devemos deixar de fazê-lo. Um amigo, nossos filhos, nosso próprio irmão ou irmã, nosso lar, as árvores do nosso pátio, tudo isso pode ser parte do nosso sanghakaya.

A prática do budismo, a prática da meditação é para a pessoa se tornar serena, compreensiva e amorosa. Desta forma trabalhamos pela paz de nossa família, de nossa sociedade. Se olharmos mais de perto, veremos que as três jóias são, na verdade, uma. Em cada uma delas as outras duas estão presentes.

Em Buda existe o estado búdico, existe o corpo de Buda. Em Buda existe o corpo do dharma, porque sem este ele não poderia se tornar Buda. Em Buda está o corpo da sangha, porque ele fez seu desjejum junto à árvore Bodhi, a outras árvores e pássaros da região. Num centro de meditação temos um corpo de sangha, sanghakaya, porque ali é praticada a compreensão, a compaixão. Assim, o corpo do Dharma, o caminho e os ensinamentos estão presentes. Mas os ensinamentos não podem tornar-se uma realidade sem a nossa vida e corpo. De forma que buddhakaya também está presente. Se Buda e Dharma não estiverem presentes, não existe sangha.

Sem você, Buda não é uma realidade, mas apenas uma idéia. Sem você, o Dharma não pode ser praticado. Precisa ter alguém para poder ser praticado. A sangha não pode existir sem cada um de vocês. Por isso, quando dizemos:

            Eu me refugio em Buda, ouvimos também: Buda se refugia em mim.
            Eu me refugio no Dharma. O Dharma se refugia em mim.
            Eu me refugio na sangha; a sangha se refugia em mim.

(Do livro “Caminhos para a paz interior” – Thich Nhat Hanh)
Sangha Virtual  Estudos Budistas
Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

Nenhum comentário:

Postar um comentário