terça-feira, 12 de abril de 2011

BIOENERGÉTICA

 


                    Tratado sobre Bioenergética



No ano de 1956, dois brilhantes discípulos de Reich: Alexander Lowen e John Pierrakos, ligados ao projeto científico global e às rigorosas orientações da pesquisa reichiana, fundaram em Nova York, o Instituto de Análise Bioenergética, buscando ampliar a pesquisa e a difusão do conceito de Bioenergia criado por Reich. Mais tarde, o termo Bioenergética deu nome ao método terapêutico e às novas técnicas desencouraçantes desenvolvidas por eles, nomeadas como “Exercícios de Bioenergética”.

O conceito de Bioenergética, porém, é muito mais amplo do que o simples nome de um método terapêutico criado por Lowen e Pierrakos. Bioenergética é, antes disso, um conceito reichiano e, como tal, serve perfeitamente para, por exemplo, nomear a técnica desenvolvida pelo brasileiro Ralph Viana chamada “Massagem Bioenergética” que é totalmente distinta dos exercícios de bioenergética de Lowen. Ou, num outro exemplo, se num texto de psicologia corporal encontramos termos como “descarga bioenergética”, “mobilização bioenergética”, “função bioenergética”, etc., não devemos supor que o autor esteja se referindo a algo que venha do método de Lowen, mas sim a conceitos universais dentro da psicossomática reichiana.

Sendo assim, o método ABCΨΣ define a Bioenergética como a área da Psicossomática que estuda a distribuição da Bioenergia pelo corpo, seus processos de carga e descarga, acúmulo e contenção, bem como se dedica ao desenvolvimento técnico de métodos artificiais de desencouraçamento neuromuscular do caráter

Processos de desencouraçamento – naturais e artificiais

Desencouraçamento neuromuscular do caráter é um fenômeno que apresenta uma série de manifestações conjuntas:

- descargas energéticas (tremores, convulsões, catarses);

- descargas emocionais (choro, riso, raiva, angústia, medo, prazer, preguiça);

- expressão sonora de gemidos, rugidos, arfares, suspiros, gritos.

- mobilização (e posterior relaxamento) da musculatura;

- flexibilização da couraça neuromuscular do caráter (estado de maior consciência sobre si e sobre o meio, lucidez, pulsação);

O termo “métodos artificiais de desencouraçamento” (usado na definição sobre Bioenergética) se justifica pelo fato de existirem vários dispositivos orgânicos espontâneos de desencouraçamento. Artificial significa, no caso, utilizar um artifício: uma técnica, um instrumento, um método. O significado da palavra “artificial” está associado a “arte-feito”, produzido por obra de arte.

A rigor não existe desencouraçamento que seja artificial porque todo desencouraçamento é espontâneo quando acontece. Artificial é a forma de provocar o desencouraçamento.

Usando uma analogia escatológica sobre técnica e descarga orgânica: pode-se provocar o vômito colocando o dedo na garganta, mas depois que é provocado ele simplesmente acontece, é caótico, incontrolável por algum tempo, com as mesmas características do reflexo do vômito que acontece sem nossa vontade quando estamos enjoados ou ingerimos algo tóxico.

É importante perceber que os processos artificialmente provocados não são plenos como os que acontecem sem nossa intenção. Pode-se provocar o reflexo do bocejo ou do espreguiçar simplesmente espreguiçando ou bocejando de propósito, mas quando estamos ainda meio dormindo, meio acordados e o espreguiçar simplesmente acontece em nós, sua força de mobilização é maior. Um bom exemplo é o suspiro: pode-se provocá-lo suspirando de propósito, mas nada se compara a quando o suspiro nos pega desprevinidos, nos leva a uma inspiração rápida, intensa, profunda e a uma expiração total, acompanhada de um aaahhh espontâneo.

Suspiro me passa a seguinte idéia: quando estamos há bastante tempo contendo a respiração, ou seja, respirando sim, mas de forma contida, curta, inibida, chega um momento em que nos falta ar e a Inteligência Orgânica toma o controle e nos ensina como é um ciclo completo (inspiração e expiração) de respiração plena. Geralmente a contenção da respiração ocorre porque estamos contendo o sentimento de uma emoção. Percebe-se claramente num suspiro autêntico que o som que sai com a expiração – o aaahhh – libera naquele momento parte dessa emoção constantemente contida. É um aaahhh emocionado. Seja qual for a emoção, o suspiro denuncia o seu acúmulo, tanto que há suspiros apaixonados ou suspiros de tédio, tristeza e suporte de estresse.

O sentido de se desenvolver exercícios e práticas que provoquem desencouraçamento está em se perceber que todos os desencouraçantes naturais são socialmente reprimidos em sua plena expressão. Se assim não fosse, se a grande maioria dos adultos cotidianamente conseguisse rir, chorar, espreguiçar, bocejar, gritar, espernear e ter orgamos plenamente, não haveria necessidade de existirem exercícios ou técnicas bioenergéticas.

É importante perceber que os desencouraçantes naturais não são totalmente proibidos em nossas sociedades, pelo contrário são “liberados”, mas devem ser contidos em sua plenitude por questão de “boa educação”.

As crianças são sistematicamente enquadradas até deixarem de gritar, se jogar no chão e bater as pernas quando estão frustradas e com raiva. Todos adultos admiram a capacidade das crianças restabelecerem seu bom humor, mas não percebem que quando as crianças são obrigadas a parar de espernear começam a acumular a raiva e a frustração e em poucos anos perdem essa capacidade de melhorar de humor rapidamente.

Adultos podem gritar? Sim, claro! Em estádios de futebol, em shows de música, em parques de diversão. Mas, em ambientes públicos: local de trabalho, sala de aula, ônibus, restaurante ou mesmo nas ruas? Pode até dar um ou dois gritos, mas se permanecer gritando será retirado do local, demitido, expulso ou encaminhado a um hospital psiquiátrico.

Adultos podem espernear? Podem, mas há muito que não vejo um adulto fazer isso em local público: nem em pé batendo os pés, muito menos se jogando no chão, batendo pernas e mãos como as crianças. O que se vê muito, a todo momento, são pessoas iniciando um espernear que fica somente num único bater o pé no chão ou num único tapa dado geralmente na própria coxa quando se irrita com alguma coisa, os mais exaltados chegam a dar um murro na mesa, mas mesmo esses não permanecem esmurrando, alternando as mãos convulsivamente. O que vejo muito são pés e pernas tremendo em salas de aula, escritórios, refeitórios, salas de espera e outros lugares onde os corpos ficam obrigados a permanecer sentados no mesmo lugar.

Adultos podem bocejar e espreguiçar? – Sim, claro. Mas em lugar público não vemos as pessoas soltarem aquele rugido alto, longo, bem sonoro, boca escancarada, tremedeiras, esticando bem os braços e as pernas, se entortando todo. Se alguém não consegue conter os bocejos e espreguiçares no local de trabalho ou sala de aula, é esperado que vá tomar um café.

Também é forte a cobrança dos pais, da Família, da Escola e da sociedade como um todo para que a criança deixe de chorar. E quando maior ela fica, maior a cobrança.

Adultos podem chorar? – Sim, claro que podem. Mas não por muito tempo, convulsivamente, com soluços altos, longos berros … Choro em local público tem que ser choro contido, poucas lágrimas logo enxugadas. Se alguém não consegue conter o choro, é comum que se dirija ao banheiro (lugar de descargas orgânicas não compartilhadas socialmente).

Adultos podem rir? – Sim, claro. Mas em lugares públicos não podem ficar rindo muito alto, convulsivamente, durante muito tempo, gargalhando, se jogando no chão de tanto rir, rir até doer a barriga como fazem as crianças. Será que pode se gargalhar à vontade no ambiente de trabalho, na sala de aula, no ônibus, nas ruas?

O mais reprimido de todos desencouraçantes naturais é o orgasmo, exatamente porque ele é o que tem a mais ampla capacidade de desencouraçamento.

Os adultos podem ter orgasmos? Sim, claro! Inclusive em nossas sociedades de consumo os adultos tem que ter orgasmos. Acontece que, devido a repressão da sexualidade espontânea das crianças, a imensa maioria dos adultos tem orgasmos de baixa potência.

O orgasmo pleno toma todo corpo, descontrolando-o com convulsões, tremedeiras, gemidos, arfares e gritos. É capaz de promover desencouraçamento tão completo que leva a sensação de morte e desmaio.

O orgasmo pleno só existe sem racionalizações, com a plena entrega emocional – capacidade de sentir amor pleno pela/o companheira/o durante a relação sexual. Ao contrário dos orgasmos de baixa potência que, depois do clímax, geram um sentimento de afastamento da/o companheira/o, o orgasmo pleno gera empatia e admiração, vontade de estar próximo, aumento da afetividade.

O orgasmo de baixa potência retira energia, levando a exaustão. O orgasmo pleno revitaliza e dá disposição ao corpo. 

Cada um dos desencouraçantes naturais tem seus atos automáticos de contenção. São manias impostas pela sociedade, coisas como colocar a mão na frente do bocejo, rir de boca fechada, dar um único tapa na própria coxa ou uma única batida de pé no chão, escorar as pálpebras com os dedos – trabalhando como um reforço na barragem da represa das lágrimas, bem como enxugar o mais rápido possível as lágrimas e o nariz que escorrem (é interessante a ligação que a Medicina Psicossomática faz entre o choro contido e as crises de rinite, onde o nariz goteja constantemente).

O choro precisa ser logo contido porque se deixarmos escorrer as lágrimas sem enxugálas, ocorre (literalmente) o chamado “efeito cascata”. Lágrima chama lágrima, convida a chorar. Uma forma clássica de conter o choro que emerge é apressar-se em pegar um lenço, papel higiênico ou algo assim. O terapeuta psicossomático precisa estar tranqüilo com o choro, acreditar que ele veio trabalhar junto com o terapeuta, ser amigo do choro, não temer o descontrole orgânico, confiar na Inteligência Vital. O choro sempre foi enxugado ao longo da vida dessa pessoa que agora chora. Cabe ao terapeuta reagir diferente dar continente ao choro, ou seja, dar-lhe cabimento: sentido, tempo, lugar e compreensão. Há porque chorar agora e o terapeuta entende isso. Há tempo para se chorar agora, não há nada melhor ou mais urgente a se fazer. O choro não incomoda, fique comigo, chore aqui, estou contigo agora tanto quanto quando não estais chorando. Ao mesmo tempo o choro não me urgencia, não sinto que preciso fazer algo urgente para acabar com o sofrimento da pessoa que chora.

Cabe ao terapeuta psicossomático quebrar nesse momento com o preconceito social contra o choro. A resposta “bem-vindo início de choro, quer escorrer mais?” do terapeuta quebra uma linha do tempo que se origina nos primeiros repressores do choro: pai e mãe, avós ou aqueles que nos criaram e foram os primeiros a “ficar com o saco cheio” de nosso choro, não agüentá-lo mais e fazer qualquer coisa para que deixássemos de chorar, desde nos dar doces ou outras coisas que queríamos até nos repreender com gritos, ameaças de “dar bons motivos para chorar” ou nos castigar trancando no quarto ou banheiro para irmos chorar sozinhos isolados dos outros. Essa linha do tempo segue com toda uma sociedade que diz “é feio chorar”, “mocinha/o não chora”, pessoas que fazem cara feia para o choro, ar de incômodo, de espanto, de dó extrema, de urgência. A princípio a criança abusa desse poder social que percebe ter o seu choro, para conseguir tudo o que quer, inclusive atenção. Mas, com o tempo, a criança percebe que para ser aceita no mundo dos adultos deve chorar menos, suportar maior contenção de raiva, frustração, medo, dor, felicidade. Não é preciso bater numa criança para reprimir sua expressão psicossomática, basta rir dela ou ignorá-la para ela saber que precisará se modificar para ser aceita. E a criança quer muito ser aceita na roda dos adultos, por isso contém sua necessidade de espernear, gritar, chorar. A história de contenção do choro reflete como seu processo acontece de fora para dentro. Os primeiros a enxugar as lágrimas da criança são os adultos. Ao longo do processo de criação essa incumbência vai sendo passada para própria criança. Um adulto pode ser definido como aquele que cuida de conter e enxugar as próprias lágrimas.

                   Técnicas Bioenergéticas

Hoje, 50 anos após a morte de Reich, várias são as técnicas desenvolvidas a partir do que ele deixou, capazes de promover desencouraçamentos.

O fenômeno da couraça neuromuscular do caráter se manifesta em todas as áreas da expressão humana. Cada uma delas pode gerar diferentes técnicas desencouraçantes. Exemplos:

A couraça é muscular. Pode ser entendida como o conjunto de contenções musculares, enrijecimentos ou falta de tônus crônicos – em termos reichianos: hiperorgonia ou hiporgonia. A Massoterapia Bioenergética de Ralph Viana baseada na intervenção com as mãos sobre a musculatura, a técnica em psicoterapia corporal de Ângelo Gaiarsa baseada em alongamentos musculares e a técnica do relaxamento dinâmico ou Biodinâmica de Gerda Boyesen são exemplos de técnicas bioenergéticas embasadas neste princípio.

Há o encouraçamento da voz, um encurtamento da capacidade de emitir sons agudos e graves. Uma diminuição da variedade de tons possíveis, levando a uma monotonia. Prova do encouraçamento vocal é o fato dos bebês atingirem, com seu choro, tons agudos de alta freqüência. Ou seja, já nascemos aptos a emiti-los. Os adultos perdem essa capacidade em vez de aprimora-la. Técnicas bioenergéticas como a Vozterapia de Sonia Prazeres ou a Terapia do Grito Primal de Arthur Janov são basedas neste princípio.

O encouraçamento está diretamente ligado à contenção da respiração plena. Quando não podemos sentir plenamente a emoção que emerge de uma situação, quando levamos um grande susto, por exemplo, o organismo faz uso de um ato reflexo que é inspirar o máximo de ar no mínimo tempo possível e trancar a respiração em seguida. Este ato reflexo pode ser a diferença entre desmaiar ou agir diante de um grande perigo. A couraça tem a função de diminuir o sentimento de emoções. Respirar plenamente significa sentir plenamente. O próprio Reich desenvolveu técnicas bioenergéticas baseadas em exercícios de respiração, cuja base é a chamada Respiração Bioenergética ou “de acordo com o reflexo do orgasmo”. O Renascimento de Leonard Orr, com sua técnica de Respiração Circular Conectada, também é um exemplo de processo desencouraçante baseado em exercícios de respiração.

O processo de encouraçamento também significa um processo de diminuição da expressividade em geral, da gestualidade, da expontaneidade. Roberto Freire desenvolveu uma técnica bioenergética chamada Somaterapia que é baseada em exercícios utilizados para o desbloqueio da expressividade do ator em seu desenvolvimento para arte cênica.

O processo de encouraçamento se expressa em nossa postura, a forma como pisamos no chão, como nos mantemos em pé, como nos sustentamos, como nos colocamos no mundo. Alexander Lowen, um dos mais conhecidos discípulos de Reich, criou uma técnica terapêutica desencouraçante conhecida como Grounding que trabalha exatamente com esses aspectos.

O método ABCΨΣ contribuiu com o esse desenvolvimento tecnológico apresentando uma nova técnica bioenergética chamada RBCG – Respiração Bioenergética Circular & Grounding.

O curso ABCΨΣ trabalha com todas as técnicas acima destacadas em 40 práticas que acontecem ao longo de tres semestres.

Entendemos que a melhor forma de conhecer a bioenergética é viver processos de desencouraçamento. Eles dizem mais em um momento do que mil teorias sobre o assunto. Para ser entendida a Bioenergética precisa ser vivida e não só teorizada.

A variação das diferentes possibilidades técnicas ao longo do curso, de uma forma ou de outra, acaba por provocar processos de desencouraçamento em seus participantes. Cada um tem diferentes processos de defesa caracterial. Uma técnica pode ser capaz de mexer muito com algumas pessoas do grupo e com outras não. Já outra técnica é capaz de mexer com esses outros e não com os primeiros. Variam sutileza e escancaramento. Variam-se exercícios de respiração, manobras massoterapêuticas, dinâmicas de grupo, jogos, brincadeiras, vivências cênicas, trabalhos de voz. Variam-se períodos de atividade corporal com períodos de aquietamento do corpo – sentados em círculo, verbalizando impressões, sentimentos, incômodos, prazeres, pensamentos, sensações surgidas nas experiências vividas, elaborando opiniões, fazendo conexões lógicas com situações da vida cotidiana; ou seja, variam-se períodos de forte experiência somática com períodos de racionalização.

O método ABCΨΣ entende que também o compartilhamento verbal tem poder desencouraçante (visto ser a verbalização também uma forma de expressão), desde que feito em ambiente autogestivo, promotor do resgate da sinceridade, espontaneidade e emotividade que se percebe na comunicação das crianças.


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FONTE : abcpsigma.wordpress.com

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