Há muito tempo o coração foi designado por muitas culturas como a sede dos sentimentos. Provavelmente, crença esta relacionada à antropologia judaica, para a qual o “coração” simboliza o interior do ser humano. Por extensão de sentido, a cultura judaica inferiu que nele residiam a sede dos sentimentos, dos pensamentos, dos desejos, dos projetos e das decisões humanas. Outra tentativa, por exemplo, de se localizar um ponto de origem para os sentimentos humanos foi concebida por Aristóteles que acreditava ser a hipófise o receptáculo da alma.
Não obstante o cepticismo de muitos médicos, com o avanço da ciência e com os diversos recursos tecnológicos do século XXI, há um conjunto de evidências que apontam uma correlação significativa entre fatores como depressão, estresse, isolamento social, má qualidade de vida com o prognóstico e o desenvolvimento de doença arterial coronariana (Bunker et al, 2003; Loures, Sant''Anna, Baldotto, Sousa, & Nóbrega, 2002). Mas, qual é a extensão dos danos que, por exemplo, o estresse provocado por uma notícia indesejada como o rompimento inesperado de um namoro, noivado ou matrimônio pode causar para uma pessoa? Considerando, como nos aponta Almeida (2007) que o amor é um tema extremamente presente em nossas vidas e que a temática dos relacionamentos amorosos é uma de suas áreas mais importantes, o fim de um romance pode fazer sim o coração sofrer e debilitá-lo de tal forma, que pode ser confundida com um ataque cardíaco. E não há nada de poético nisso. Trata-se da Síndrome do Coração Partido, que difere de um ataque cardíaco porque nela os pacientes se recuperaram plenamente e, não sofrem danos duradouros no músculo cardíaco.
A Síndrome do Coração Partido é uma metáfora exagerada e bastante utilizada para ilustrar a sensação de uma decepção amorosa real, comum aos relacionamentos interpessoais amorosos infelizes. Inicialmente foi descrita em orientais, no início dos anos 90, como uma nova síndrome cardíaca, caracterizada por uma disfunção ventricular esquerda transitória, tipicamente com aspecto de armadilha para pegar polvo (em japonês, Tako-tsubo) porque suas imagens, quando realizado o cateterismo cardíaco, assemelham-se às armadilhas usadas pelos pescadores locais para apanhar polvos (Satoh, Tateishi & Uchida, 1990). Desde então, na literatura científica, aparece associada a situações de estresse físico ou emocional, na qual, eventos estressantes precedem e parecem desencadear o início de infarto agudo do miocárdio (Bunker et al, 2003; Dote et al., 1991; Kurisu et al. 2002; Mesquita & Nóbrega, 2005; Strike & Steptoe, 2005).
Contudo, este quadro não se restringe simplesmente aos relacionamentos amorosos que deixam nefastas conseqüências. Perder alguém depois de anos de doença e de internação hospitalar, abusos domésticos, diagnósticos médicos catastróficos, perdas financeiras vultosas, situações de extrema angústia, perda de parentes ou amigos queridos em acidentes, ser assaltado a mão armada, discussões acaloradas e até mesmo o choque de uma festa surpresa, são também, possíveis desencadeadores para a Síndrome do Coração Partido, donde se percebe que o denominador comum é o súbito estresse provocado por uma perda juntamente com a incapacidade de elaborar o luto para seus acometidos (Mesquita & Nóbrega, 2005; Wittstein et al, 2005). Sabe-se que em uma situação de estresse, o organismo humano redistribui suas fontes de energia, antecipando-se para uma agressão iminente. Se realmente houver um perigo iminente esse mecanismo adaptativo este mecanismo está bem ajustado às condições do ambiente. Entretanto, se esse estado persistir por muito tempo, pode causar severos danos para o organismo, sobremaneira, para o músculo cardíaco, dado que o sistema cardiovascular possui ampla participação na adaptação ao estresse e sofre acentuadamente, por isso, as conseqüências de sua exacerbação.
Os sintomas desta doença simulam um infarto agudo do miocárdio com dor anginosa no peito, menos intensa que o habitual, com alterações no eletrocardiograma e nas enzimas cardíacas, e com elevação discreta de marcadores de necrose miocárdica, contudo, retornando ao normal em até 30 dias. Esta doença atinge principalmente mulheres com idades acima de 65 anos, e raramente abaixo dos 50, com histórico de forte estresse físico ou emocional ou que tenham se submetido a uma cirurgia, não cardíaca. Embora até agora tenha se identificado apenas um caso isolado desta patologia, em outras faixas etárias, no caso uma paciente de 38 anos, os médicos e pesquisadores estão sempre alerta para outros possíveis aparecimentos da mesma (Diamant et al, 2006). Os índices revelam que 80% dos casos confirmados ocorrem em mulheres. Logo, é possível haver uma base genética dado que as mulheres são mais vulneráveis a este tipo de problema.
Há controvérsias quanto às causas para a mesma, contudo, várias teorias indicam que a liberação de hormônios adrenalina e noradrenalina nos casos de estresse, que agem sobre a inervação da ponta do coração, impediriam a sua contração. Embora existam estes pontos de vista divergentes a respeito das causas, há consenso que, após a fase aguda, a recuperação do músculo cardíaco é espontânea e total, e não deixa seqüelas, e são raras as recidivas. Níveis elevados de catecolaminas séricas têm sido encontrados em pacientes com a Miocardiopatia de Tako-tsubo, sugerindo que uma estimulação simpática exagerada em resposta ao estresse fundamente a síndrome (Wittstein et al, 2005). Concomitantemente, a hiperativação simpática, em resposta ao estresse emocional, aumenta os níveis circulantes dos neurotransmissores epinefrina e norepinefrina e, além de aumentar a freqüência cardíaca e o inotropismo, isto é, a capacidade de influenciar a força de contração muscular, neste caso, cardíaca, o que pode acarretar em espasmo coronariano pela interação com receptores alfa-adrenérgicos (Becker et al 1996).
Atualmente, não há nenhuma forma adequada para o tratamento desta patologia, embora se recomende tratamento, ainda que de curto prazo para debelar os sintomas e as causas. O que há disponível em relação à parte médica são tratamentos que dão suporte ao coração por meio de medicamentos que reduzem o trabalho do mesmo. Algo muito importante na área médica é o acesso à informação. É muito importante distinguir a Síndrome do Coração Partido de um ataque cardíaco para que as pessoas vitimizadas possam ser tratadas adequadamente e saibam que seus corações estão saudáveis, em vez de serem informadas de que padecem de uma doença coronária, e assim, tomarem remédios para o coração para o resto das vidas.
Na área psicológica pode-se pensar em encaminhar as pessoas acometidas por este mal, ou ainda, com margem de risco de desenvolverem tal quadro característico para a psicoterapia. Psicólogos podem ajudar as pessoas de uma forma melhor a manejarem seus estresses cotidianos, bem como a elaborarem possíveis fases de luto, nas diversas formas em que eles se apresentem para as pessoas, e isso reduz os riscos, ou ainda, catalisa a convalescença dos atingidos. Contudo, para não reduzirmos tudo a um mero “psicologismo”, primeiramente as pessoas que sentem que estão em perigo, ou já foram atingidas por tal patologia, devem se encaminhar primeiramente para um cardiologista com vistas a esclarecer a causa desse sintoma. Uma vez excluída a causa orgânica, ou seja, diagnosticado que o coração não tem problema, então se pode procurar um psicólogo a fim de tratar do problema. Embora, conjugar as duas formas de tratamento aos que possam se submeter a ele é ainda mais benéfico.
Para concluir, reitero e atualizo o que disse Camões, (não somente ele, mas em grande parte), sobre o amor poder ser a causa das feridas que doem e são sentidas pelas pessoas, e, portanto, pode ser sim um descontentamento descontente.
Referências
Almeida, T. (2007). Ciúme romântico e infidelidade amorosa: incidências e relações entre paulistanos. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
Becker, L. C. et al (1996). Left Ventricular, Peripheral Vascular, and Neurohumoral Responses to Mental Stress in Normal Middle-Aged Men and Women. Circulation, 94, 2768-2777.
Bunker, S. J. et al (2003). "Stress" and coronary heart disease: psychosocial risk factors. National Heart Foundation of Australia position statement update. Medical Journal of Australia, 178 (6), 272-276.
Diamant, L. et al (2006). Cardiomiopatia de Takotsubo evoluindo com Choque Cardiogênico em Paciente de 38 Anos. Revista da SOCERJ, 19(3), 263-269.
Dote, K. et al. (1991). Myocardial stunning due to simultaneous multivessel coronary spasm: a review of 5 cases. Journal of Cardiology, 21, 203-214.
Kurisu, S., et al. (2002). Tako-Tsubo-like left ventricular dysfunction with ST-segment elevation: A novel cardiac syndrome mimicking acute myocardial infarction. American Heart Journal, 143(3), 448-455.
Loures, D. l., Sant''Anna, I., Baldotto, C.S. R., Sousa, E. B., & Nóbrega, A. C. L. (2002). Estresse Mental e Sistema Cardiovascular. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 78(5), 525-530.
Mesquita, C. T. & Nóbrega, A. C. L (2005). Miocardiopatia adrenérgica: o estresse pode causar uma cardiopatia aguda? Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 84(4), 283-284.
Satoh, H., Tateishi, H., Uchida, T. (1990). Takotsubo-type cardiomyopathy due to multivessel spasm. In: K. Kodama, K. Haze & M Hon (eds). Clinical aspects of myocardial injury: from ischemia to heart failure. Tokyo: Kagakuhyouronsya Co, pp. 56-64.
Strike, P. C. & Steptoe, A. (2005). Behavioral and emotional triggers of acute coronary syndromes: A systematic review and critique, Psychosomatic Medicine 67, 179-186.
Wittstein, I. S. et al (2005). Neurohumoral Features of Myocardial Stunning Due to Sudden Emotional Stress. The New England Journal of Medicine, 352, 539-548.
Fonte : www.artigonal.com/psicologia
Autoria : Thiago de Almeida - Psicólogo
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