Por Karen Curi - Jornalista
Eu sei tudo sobre você. Conheço todos os teus amigos, os colegas de
trabalho, sei dos teus casos passados. Me acerco da tua família, conheço
os vizinhos e os porteiros, os clientes, a moça da limpeza. Já decorei
os contatos da tua agenda. Eu monitoro o teu celular e as tuas redes
sociais. Tenho todas as tuas senhas, baixo os teus e-mails, vejo a
fatura do teu cartão, tenho a chave da tua casa. É por isso que eu
confio em você. Só por isso.
Tem muita que só consegue confiar em
alguém e manter uma relação, se tiver o controle absoluto de todos os
passos do outro. E não há forma de ser diferente. Afinal de contas, como
é possível confiar sem possuir? Para essas pessoas não existe outra
possibilidade senão o monopólio e o usufruto exclusivo. Se transformam
em donos dos seus parceiros, senhores das vontades alheias, ditadores de
regras. Tudo deve passar pelo seu crivo e aprovação, caso contrário, o
tirano, simplesmente, surta.
Eles dizem que são ciumentos e,
quando questionados dos seus rompantes, falam sem constrangimento que
amam — e muito — e ponto. Quem sou eu para julgar as formas de amar?
Estou aqui para falar que ciúme é uma coisa, e que desconfiança, é
outra.
Caminham juntos, decerto. Se esbarram, tropeçam, invadem
os espaços um do outro de quando em vez. Se misturam e se confundem
facilmente. Se parecem até, mas são distintos.
Os dois são
sentimentos de posse, com a diferença que um é controlável e o outro é
controlador. Há quem diga que ter ciúme é bonito, que é demonstração de
amor. Mas bastou passar um pouco da medida que deixa de ser fofo, e vira
invasão de privacidade, sufocamento. Enfim, uma linha tênue põe o
limite entre o aceitável e o incabível.
O ciúme não deixa de ser
um tipo de zelo, uma demonstração de que aquele ou aquilo nos é
importante. Uma forma de dizer: “ei, eu gosto muito, me chateia dividir e
não quero ficar sem”. Temos ciúme dos nossos amigos, dos filhos, do
parceiro. Do nosso cachorro, nossos livros, da coleção completa de CDs
do nosso ídolo, e por aí vai. Tudo o que é importante para nós gera um
sentimento de posse e, consequentemente, o medo da perda. Normal. É
humano isso.
O problema é quando o ciúme passa da fronteira e
sobrepassa os porquês do amor. Também é humano, ainda que seja uma forma
torturante de lidar com a vida. Quem desconfia vive à espreita do erro,
à espera da mazela. Então, se previne de todas as formas para que o
outro não falhe e, caso haja falha, para que não seja tão devastadora.
Até mesmo porque ela já é esperada.
Desconfiar de alguém é estar
seguro que a outra pessoa tem razões para nos enganar, e por isso é
preciso se cercar de todas as possibilidades a fim de minimizar a
injúria. Quem desconfia divaga entre o real e o imaginário, buscando
soluções em cima de problemas que nem chegaram a existir. Por
insegurança. Talvez por desamor próprio. Só o controle absoluto sobre o
outro garante a sensação de confiança.
Precisam ter a certeza que
sabem tudo da vida do parceiro, quando, na verdade, ninguém sabe
realmente quem é. Achamos que sabemos de nós, mas a cada curva nos
descobrimos diferentes. Mais fortes ou surpreendentemente mais fracos.
Confiantes, desacreditados. Generosos, egoístas. Altruístas e levianos.
Estamos em construção, adquirindo traumas em forma de nós, enquanto desfazemos as amarras das frustrações passadas.
Quantas pessoas não se sentiram sufocadas e migraram para outro
relacionamento, mais leve e com menos cobrança? Quantos aguentam, de
fato, e andam sob o cabresto? São perguntas onde as respostas pouco
importam. Cada um sabe da sua vida e onde o seu calo aperta.
O que eu penso sobre isso? Bem, de que adianta tanta posse quando, na verdade, ninguém pertence à ninguém, senão à nós mesmos?