O desapego é a prática do discernimento. Aos poucos vamos ganhando controle sobre as ondas de pensamento "dolorosas" ou impuras, perguntando-nos: "Por que é mesmo que eu desejo este objeto? Que benefício duradouro obterei com possuí-lo? De que maneira sua posse me ajudará a conquistar maior conhecimento e liberdade?" As respostas a tais perguntas são sempre embaraçosas: fazem-nos ver que o objeto desejado não só é inútil como instrumento de libertação, mas é potencialmente prejudicial enquanto instrumento propício à ignorância e à sujeição; e mais, que o nosso desejo não é na verdade desejo pelo objeto em si absolutamente, mas apenas desejo de almejar alguma coisa, uma mera agitação da mente.
É muito fácil ponderar acerca de tudo isso num momento de calma. Mas o nosso desapego é testado quando a mente de súbito é varrida por uma enorme onda de raiva, de cobiça ou de avareza. Então, somente através de um esforço decidido de vontade nos lembraremos daquilo que a nossa razão já sabe — que essa onda, o objeto sensorial que a suscitou, o senso de individualidade que identifica a experiência a si própria - são todos igualmente efêmeros e superficiais, não são a Realidade subjacente.
O desapego pode surgir muito lentamente. Mas mesmo seu estágio mais inicial é recompensado por uma sensação nova de liberdade e de paz. Jamais se deveria concebê-lo como austeridade, espécie de autotortura, algo arbitrário e penoso. A prática do desapego confere sabor e significado até ao incidente mais banal do mais enfadonho dos dias. Ele elimina o aborrecimento de nossas vidas. E, à medida que progredimos e conquistamos crescente autodomínio, vemos que não estamos renunciando a nada de que realmente necessitamos ou queremos — e sim, estamos apenas libertando-nos de desejos e necessidades imaginários. Com esse espírito, a alma cresce até conseguir aceitar, serena e imperturbável, os piores reveses da vida. Cristo disse: "Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" — querendo dizer que a existência corriqueira e sem discernimento, de apego aos sentidos, é, de fato, muito mais penosa, muito mais difícil de suportar do que as disciplinas que nos tornarão livres. Parece-nos difícil compreender essa passagem, porque temos sido habituados a conceber a existência terrena de Cristo como trágica — uma gloriosa e inspiradora tragédia, por certo, mas que não obstante terminou numa cruz.
Deveríamos antes nos indagar: "O que seria mais fácil, pender naquela cruz com a iluminação e o desapego de um Cristo, ou nela padecer na ignorância, na agonia e na sujeição de um pobre ladrão?" E, seja como for, a cruz pode alcançar-nos, estejamos preparados e aptos a aceitá-la ou não.
O desapego não é indiferença — nunca é demais repeti-lo. Muitas pessoas rejeitam as metas da filosofia iogue como "inumanas" e "egoístas", pois imaginam a ioga como um distanciamento frio e deliberado de tudo e de todos em prol da busca de salvação pessoal. A verdade é exatamente o oposto. O amor humano é a emoção mais elevada que a maioria de nós conhece. Ele nos liberta, em certa medida, do egoísmo que mantemos em relação a um ou mais indivíduos. Mas o amor humano ainda é possessivo e exclusivista.
O amor pelo Atman não é uma coisa nem outra. Admitimos prontamente que é melhor amar as pessoas "pelo que elas realmente são" do que apenas por sua beleza, inteligência, força, senso de humor ou alguma outra qualidade - mas isso não passa de afirmação vaga e relativa. O que as pessoas "realmente são" é o Atman, nada mais nada menos. Amar o Atman em nós mesmos é amá-lo em toda parte. E amar o Atman em toda parte é ir além de qualquer manifestação da Natureza até a Realidade interior da Natureza.
Esse amor é por demais vasto para ser compreendido por espíritos vulgares; no entanto, ele é simplesmente um aprofundamento e uma expansão infinita do pequeno e limitado amor que todos sentimos. Amar alguém, mesmo ao jeito habitual dos homens, é captar o aparecimento instantâneo e vago, dentro dessa pessoa, de algo formidável, que infunde respeito, eterno. Em nossa ignorância, achamos que esse "algo" é único. Ele ou ela, dizemos, é diferente de todos. Isso porque nossa percepção de Realidade é turvada e obscurecida pelas manifestações exteriores — o caráter e as qualidades individuais da pessoa que amamos - e pelo modo como a elas reage nosso próprio senso de individualidade.
Entretanto, esse lampejo pálido de percepção é uma experiência espiritual válida e deveria encorajar-nos a purificar a nossa mente, preparando-a para aquela espécie infinitamente mais elevada de amor que está sempre a nos aguardar. Esse amor não é inquieto e efêmero, como o nosso amor humano. É firme, eterno e sereno. É absolutamente livre do desejo, pois amante e amado ter-se-ão tornado um só.
Observe esta passagem do Bhagavad-Gita:
As águas fluem continuamente para o oceano,
Mas o oceano nunca se perturba;
O desejo flui para a mente do vidente,
Mas ele nunca se perturba.
O vidente conhece a paz...
Conhece a paz aquele que esqueceu o desejo.
Ele vive sem ansiedade:
Livre do ego, livre do orgulho.
Do livro: Como conhecer deus, aforismos iogues de patanjali de acordo com a versão de swami prabhavananda e christopher isherwood
Pesquisa de Fatima dos Anjos
DESAPEGO
Não adianta "fecharmos as cortinas da janela da alma" a fim de levarmos uma vida de sonhos - repleta de pensamentos e vazia de experiências - , atenuando ou impedindo os estímulos externos. Isso é um "desapego defensivo", ou resignação neurótica, e não uma virtude genuína.
Denominamos "desapego defensivo" o mecanismo de fuga da realidade utilizado, de forma inconsciente ou não, por pessoas que possuem um constrangimento auto-imposto proveniente do medo de amar, ou mesmo de se perder na sede de amor por objetos, pessoas ou idéias e de serem absorvidas por enorme necessidade de dependência e de submissão fora do próprio controle.
Esse "desapego de proteção" tem como base profunda um processo mental ativado tão logo o indivíduo perceba algo ou alguém que tenha grande significado para ele, e que, se o perdesse, seria muito doloroso. Ele adota uma atitude de contenção dos sentimentos e se isola com indiferença e desprezo diante do seu mundo sensível.
Declara-se desinteressado e frio, mantendo por postura íntima o seguinte pensamento: "eu não me importo", quer dizer, "não abro as portas do meu sentimento". (Aliás, a palavra "importar" vem do latim importare - "trazer para dentro" ou "trazer para si"). Assim, ele não se sentirá frustrado ou ameaçado pelos conflitos, porquanto supõe ter atingido um "real desapego", quando, na verdade, apenas utiliza uma desistência da expressão, do anseio, da vontade, da satisfação e da realização pessoal, ou seja, restringe e mutila a vida ativa.
Por outro lado, o "desapego saudável" é uma vivência que leva ao crescimento íntimo e uma expansão da consciência, enquanto a experiência defensiva conduz a um bloqueio das sensações, fazendo com que as pessoas vivam numa aparente fuga social, exibindo atos e comportamentos fictícios, envolvidas que estão por uma atmosfera de falsa renúncia e altruísmo.
É considerada pelos Espíritos Superiores como "duplo egoísmo" a atitude de certos "homens que vivem na reclusão absoluta para fugir do contato do mundo".
Não podemos nos esconder atrás de valores sagrados para camuflar conflitos de caráter afetivo, sexual, profissional, cultural, religioso - isso é escapismo.
Enfim, uma deserção da participação social é, na verdade, um fenômeno retardatário do amadurecimento psicológico. Esse tipo de desapego, que parece ter como motivo um imenso desprendimento por bens materiais ou pessoal, comprova, acima de tudo, ser apenas um desejo de fuga ou um receio proveniente do egoísmo.
Uma atitude auto-imposta por dúvidas e desconfiança, insegurança e temor, além de nos auto-agredir, nos afasta do caminho natural e nos desvia do dinamismo evolutivo da Vida Providencial. Não adianta "fecharmos as cortinas da janela da alma" a fim de levarmos uma vida de sonhos - repleta de pensamentos e vazia de experiências -, atenuando ou impedindo os estímulos externos. Isso é um "desapego defensivo", ou resignação neurótica, e não uma virtude genuína.
As criaturas do mundo estão cheias de fictícios desapegos que, na realidade, reduzem a visão da verdadeira espiritualidade, dificultando as muitas maneiras de despertar as potencialidades da alma.
Diz-se que um indivíduo "apegado" é indeciso e inerte, porque perdeu a conexão consigo mesmo; não sabe mais o que quer para si, não mais navegava os mares nem desbravava os continentes de seu reino interior - desviou-se de sua rota existencial.
Disse Jesus: "Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. Quem ama a sua vida a perde e quem odeia a sua vida neste mundo guardá-lá-á para a vida eterna".
O entendimento das palavras do Mestre pode nos libertar do sofrimento a que nos arremessou o apego.
O "amar a vida" ou "odiar a vida" a que Cristo se refere é, exatamente, o despertar ou a conscientização de que as coisas vêm e vão na nossa existência, e que é preciso adotar a prática do desapego em relação a elas. O apego é a memória da "dor" ou do "prazer" passado, que carregamos para o futuro. Atrás de cada sofrimento existe um apego.
"Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto".
Eis a excelência da mensagem: tudo em nossa vida terrena é transitório, vai passar; vai mudar e ir além... Os "grãos de trigo" vão tomar uma nova feição - se transformarão num imenso trigal e, mais adiante, se converterão na prodigalidade do alimento generoso.
Apego é a não-aceitação da impermanência das coisas. Na Terra nada se perpetua, somente a alma é imortal".
Do livro OS PRAZERES DA ALMA - Pagina 25-27 - editora BOA NOVA
Pesquisa de Fatima dos Anjos
http://portalarcoiris.ning.com/group/portalarcoirisningcom/forum/to...
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