DA TRAGÉDIA E DA BELEZA
Toda
pérola esconde uma dor no fundo da sua beleza. Ostra feliz não faz
pérola. Ostra que faz uma pérola é ostra que sofre. Porque a pérola,
lisa esfera sem arestas, a ostra a produz para deixar de sofrer, para se
livrar da dor das arestas de um grão de areia que se aninhou dentro
dela. Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos.
No seu ensaio O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música,
Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a
tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como
existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em
comédia. E ele se perguntou das razões por que os gregos, sendo
dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao
pessimismo. A resposta que ele encontrou foi a mesma da ostra que faz
uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de
transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a
torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente
gozado. Ela se basta. Ela não cria. Não produz pérolas. São os que
sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os
artistas: Beethoven – como é possível que um homem completamente surdo,
no fim de sua vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? –, Van
Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa...
(crônica extraída do livro Palavras para desatar nós, de Rubem Alves). Um lançamento da Papirus Editora!
integracaoholistica.blogspot.com
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