domingo, 1 de dezembro de 2013

A felicidade suprema é o Wu-Wei


Ah! Muitas pessoas não têm uma alma. O que elas têm, no seu lugar, é uma agenda. Por isso serão incapazes de entender o que estou dizendo : em suas almas-agendas já não há lugar para o desejo.
No lugar dos ipês existe apenas um imenso vazio. Há um vazio que é bom : vazio da fome (que faz lugar para o desejo de comer); vazio das mãos em concha (que faz lugar para a água que cai da bica); vazio dos braços (que faz lugar para o abraço); vazio da saudade (que faz lugar para a alegria do retorno).

Mas há um vazio ruim que não faz lugar para coisa alguma, vazio-deserto, ermo onde moram os demônios. E esse vazio, túmulo do desejo, precisa ser enchido de qualquer forma. Pois, se não o for, ali virá morar a ansiedade.
A ansiedade é ,o buraco deixado pelo desejo esquecido, o buraco de um coração que não mais existe : grito desesperado pedindo que desejo e coração voltem, para que se possa de novo gozar a beleza da copa do ipê contra o céu azul. Tão terrível é esse vazio que vários rituais foram criados para exorcizar os demônios que moram nele. Um deles é a minha agenda - e a agenda de todo mundo . Quando a ansiedade chega, basta ler as ordens que estão escritas, o buraco se enche de comandos e se fica com a ilusão de que tudo está bem. E não é por isso que se trabalha tanto - da vassoura das donas de casa à bolsa de valores dos empresários ? São todos iguais; lutam contra o mesmo medo do vazio. 

Por isso ligamos as televisões, para encher o vazio; por isso passamos os domingos lendo os jornais (mesmo enquanto nossos filhos brincam no balanço do parquinho), para encher o vazio; por isso não suportamos a ideia de um fim de semana ocioso, sem fazer nada (já na segunda-feira se pergunta : "E no próximo fim de semana, que é que vamos fazer?"); por isso até a praia se enche de atividade frenética, pois temos medo dos pensamentos que poderiam nos visitar na calma contemplação da eternidade do mar, que não se cansa nunca de fazer a mesma coisa.

Certos estão os taoistas : a felicidade suprema é o Wu-Wei, fazer nada. Porque só podemos se entregar às delícias da contemplação aqueles que fizeram as pazes com a vida e não se esqueceram dos seus próprios desejos.

 Rubem Alves.
Livro: Palavras para Desatar nós.
integracaoholistica.blogspot.com

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