domingo, 9 de outubro de 2011

CARDIOLOGIA E EMOÇÕES

Incluído em 13/01/2005

Em que interessa a Saúde Mental para o Cardiologista? Procuramos abordar quadros e problemas emocionais mais encontrados nos ambulatórios de cardiologia, bem como os principais problemas da cardiologia que aparecem entre a clientela da psiquiatria. Enaltecemos a importância da abordagem das questões emocionais, do esclarecimento e do encaminhamento apropriado destes pacientes, evitando cronificações somatiformes e/ou psicossomáticas, consultas e exames desnecessários.
A Saúde Mental tende e deveria ser considerada como uma especialidade médica básica, tendo em vista sua contundente presença na relação médico-paciente, no diagnóstico diferencial, na reação do paciente com sua doença, na perpetuação de sintomas, no desenvolvimento de quadros psicossomáticos e/ou somatiformes.
As reações emocionais e psíquicas do paciente são uma realidade constínua do dia-a-dia de cada profissional da saúde, quer o médico seja ou não sensível ao problema. Obrigatoriamente o clínico, de qualquer especialidade, deve considerar 3 aspectos fundamentais que envolvem o paciente:
1. A reação do paciente à sua doença. O que representa a doença para o paciente, com que sentimento ele se depara com a doença, com que grau de otimismo ele lidará com a convalescença?
2. A adesão ao tratamento. Ninguém adere a tratamento algum se não souber o mínimo sobre o que estão fazendo com ele, se não tiver noção dos objetivos médicos, se não tiver alguma perspectiva.
3. O diagnóstico diferencial das somatizações. Só mesmo através da atenção às emoções e afetos o médico pode fazer um bom diagnóstico diferencial entre um quadro orgânico por excelência, um quadro orgânico agravado pelas emoções e um quadro eminentemente psíquico com sintomatologia orgânica, muito embora a sintomatologia direta de todos três possa ser a mesma.
Ao cogitar sobre a interrelação cárdio-psíquica pretendemos estimular uma melhor postura dos clínicos não-especialistas em Saúde Mental diante da problemática emocional de seus pacientes. Como primeira atitude, sugere-se aos clínicos abandonarem a prática de tratar a questão emocional como um elemento secundário no curso das doenças e considerar o diagnóstico psíquico também um diagnóstico de exclusão, tal qual as demais hipóteses orgânicas envolvidas no diagnóstico.
Normalmente o eletrocardiograma, as provas de esforço, as dosagens enzimáticas, a cineangiocoronariografias, etc, já foram solicitados muito antes do clínico procurar saber de qualquer componente emocional eventualmente associado ao estado atual do paciente. Está absolutamente certa essa tendência em procurar afastar causas orgânicas para as queixas do paciente, desde que o clínico não acredite, realmente, que a morte por infato do miocárdio seja mais letal que a morte por suicídio.
Além dos esforços práticos inflingidos ao paciente por um extenso itinerário de exames, além do alto custo financeiro ao sistema ou ao paciente que esses exames sofisticados produzem, além do tempo perdido para iniciar o tratamento para um diagnóstico protelado, muitas vezes a distância hermética que muitos clínicos colocam entre os conhecimentos técnicos de sua especialidade e os conhecimentos psíquicos que deveria ter acaba por comprometer sobremaneira o bem estar do paciente.
A mudança de postura no atendimento médico é fundamental, tendo em vista que cardiologistas e clínicos são, geralmente, os primeiros profissionais médicos a atender os pacientes com queixas cardiocirculatórias, ainda que estas sejam reflexo de uma problemática afetiva ou somatização de emocional. A atitude do profissional de primeiro atendimento é de fundamental importância para o encaminhamento correto e tratamento desses pacientes.
São as corriqueiras atitudes como, por exemplo, " - você não tem nada, procure o psiquiatra", sem nenhuma atenção ou explicação diferenciada,causando mais frustração aos pacientes e familiares. Essa atitude acaba favorecendo a angústia do paciente, a dúvida dos familiares e a rotatividade de procura de diversos outros serviços.
A necessidade do médico não especialista em saúde mental ter algum conhecimento nesta área é de fundamental importância para que não se peçam exames desnecessários, para que o paciente não seja submetido a exames desconfortáveis, onerosos, invasivos desnecessariamente e apressadamente.
Quando se diz que as questões emocionais estão atreladas a qualquer outra patologia, não se quer dizer que elas sejam sempre causas de doenças orgânicas, mas que as emoções acompanham as outras doenças; quer como causa, como agravantes ou como conseqüência. Uma simples fratura ortopédica, aparentemente sem nada a ver com a psiquiatria, pode estimular um estado de extrema ansiedade e/ou depressão, tendo em vista seu componente doloroso, as limitações que impõe e mesmo diante de perspectivas pessimistas quanto à recuperação. Isso não significa que a questão emocional causou afratura, mas que ela ocorre paralelamente, talvez agravando o quadro doloroso.
Na cardiologia sabe-se que fatores psicológicos podem predispor e precipitar os seguintes distúrbios:
1 - Transtornos do Ritmo.
Influências emocionais são proeminentes nas arritmias cardíacas mais comuns, tais como a taquicardia sinusal, taquicardia atrial paroxística, batimentos ectópicos atriais e ventriculares, arritmias ventriculares, incluindo fibrilação ventricular. A arritmia cardíaca letal, a fibrilação ou paralisia ventricular são causas possíveis de morte súbita em resposta a um estímulo emocional opressivo ou ao desespero. Assim sendo, a ativação das respostas de estresse, do tipo luta-fuga e conservação-afastamento, pode provocar arritmias letais, especialmente em pessoas com doença coronariana.
2 – Arteriopatia Coronariana.
O estresse pode influenciar no surgimento de arteriosclerose, uma vez que, quando o nível de estresse é alto, há liberação de colesterol, o que pode levar ao "entupimento" de artérias coronarianas e produzir o infarto do miocárdio.
3 - A Hipertensão Arterial.
Notadamente a hipertensão considerada essencial ou idiopática, a elevação da pressão sangüínea sistólica e/ou diastólica acima do limite admitido costuma ser uma perturbação hemodinâmica por múltiplas causas. Estudos têm comprovado o papel de fatores psicossociais ou do estresse no desenvolvimento de alguns tipos de hipertensão essencial. A mobilização do Sistema Nervoso Autônomo, através de um aumento da atividade do sistema simpático e a conseqüente elevação da produção de renina está entre os supostos mecanismos patogênicos da hipertensão arterial. Interações de fatores genéticos, ambientais, de personalidade (Personalidade Tipo A), dietéticos, e comportamentais, certamente conduzem à elevação patológica persistente da pressão sangüínea.
Numa análise de 50 pacientes ambulatoriais de Hipertensão Arterial, 41 deles estabeleceram relação entre um evento particular de vida e aumento da sua pressão, 28 empregam o termo nervoso como explicação. (Tania M. S. Braga, Rachel R. Kerbauy)
O Sistema Límbico, onde se inclui o hipotálamo, que coordena as diversas funções neurovegetativas, inclusive as cardiovasculares, é tido como a sede das emoções. Essas funções neurovegetativas implicam na regulação do Sistema Nervoso Autônomo Simpático e do Sistema Nervoso Autônomo Parassimpático. Portanto, em essência, compete ao hipotálamo, no Sistema Límbico, atuar sobre os diversos órgãos internos e estruturas orgânicas, estimulando-as ou inibindo-as através do Sistema Nervoso Autônomo.
À todas situações de estresse e ansiedade o organismo reage liberando catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e corticóides, seja por ação direta do sistema simpático, o qual coloca o organismo em estado de alerta, seja por ação indireta do Sistema Nervoso Autônomo sobre as Glândulas Suprarrenais. Essas catecolaminas e os corticóides aumentados no estresse produzem uma vasta série de alterações no organismo (abaixo).
ALGUMAS ALTERAÇÕES DECORRENTES DE CATECOLAMINAS E CORTICÓIDES
* elevação da freqüência cardíaca
* elevação da pressão arterial
* aumento do débito cardíaco
* aumento do consumo de oxigênio
* aumento da excitabilidade cardíaca
* entrada de sódio e saída de potássio e magnésio das células
* lesão endotelial
* aumento da adesividade plaquetária
* vasoconstrição periférica
* retenção de sódio e água
* hemoconcentração
* aumento da coagulação sangüínea
* aumento da glicose e do ácido lático
* aumento dos ácidos graxos e do colesterol

DOENÇA CORONARIANA E DEPRESSÃO O ritmo alucinante da vida de hoje, a transitoriedade das coisas, das pessoas e dos valores, a valorização do bem material, o individualismo crescente, a falta de solidariedade e a premência do tempo e do sucesso estão fazendo surgir novos tipos de doenças e entre elas se enquadra a doença coronariana.
A Doença Coronariana, produtora do Infarto do Miocárdio, tem sido uma das patologias mais estudadas atualmente, tendo em vista a altíssima incidência em que acomete pessoas dos países mais civilizados. A ciência tem demonstrado uma grande variedade de fatores causais envolvidos no desenvolvimento da doença, sendo os mais freqüentemente referidos a predisposição genética, o tabagismo, a hipertensão arterial, a elevação dos níveis de colesterol, o estresse cotidiano, a vida sedentária do homem moderno, a obesidade e a diabetes.
Alguns estudos consideram a participação de fatores constitucionais um dos elementos mais importantes no desenvolvimento da Doença Coronariana, outros enfatizam a importância prevalente dos fatores ambientais, tais como o aumento do nível de colesterol, o fumo e a hipertensão arterial. Enfim, quanto a ordem de importância desses fatores não há ainda um consenso.
Apesar de todos esses estudos, na década de 1980, alguns estudos (Eliot R S - Stress and cardiovascular disease: mechanisms and measurement - Ann. Clin. Res. no. 19, p.p. 88-95, 1987) constatavam que até cerca da metade dos coronarianos não apresentam os clássicos fatores de risco ambientais atribuídos ao desenvolvimento da Doença Coronariana. Assim sendo, quais seriam os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da doença nesses pacientes?
Inúmeras pesquisas clínicas e experimentais têm relacionado o estresse com a Doença Coronariana. A quantidade de estresse a que se submete o ser humano moderno é muito grande, talvez maior que a capacidade adaptativa da maioria das pessoas e, como conseqüência, observa-se o aumento da incidência de algumas doenças, entre elas a Doença Coronariana.
Alguns estudos consideram que, além do estresse, seria importante para o desenvolvimento da coronariopatia, uma predisposição pessoal em termos de personalidade, denominada de Personalidade Tipo A. Esse tipo de personalidade caracterizaria as pessoas que procuram fazer mais e mais em menos e menos tempo, são ambiciosas, competitivas, impacientes, necessitam aparentar serem fortes, etc (veja tudo sobre Personalidade Tipo A).
Independente das discussões sobre as possibilidades desse tipo de personalidade ser aprendida (e exigida) no meio cultural ou, ao contrário, ser eminentemente constitucional, todos parecem concordar quanto ao fato desse tipo de perfil psicológico ser bastante prevalente entre os coronarianos.
Do ponto de vista social, o meio urbano, caracterizado pelas grandes aglomerações, pelo excesso de ruídos, insegurança social, necessidade de urgência em tudo, excesso de informações que estimulam o medo, excesso de competição, carência de oportunidade para todos, frustrações pela falta de participação nos processos decisórios, excesso de responsabilidades, falta de solidariedade e de relacionamentos afetivos significativos e excesso de mudanças, força exageradamente as pessoas para contínuas e indispensáveis adaptações (Kaufmann, 2000). As condições fisiológicas para desenvolvimento da doença coronariana são prontamente estimuladas por esse continuado estresse adaptativo.
Do ponto de vista pessoal, a Personalidade Tipo A, os traços pessoais de ansiedade, a atitude competitiva, o estímulo ao sedentarismo, o tabagismo, etilismo e a alimentação irregular ou as dietas incorretas acabam também contribuindo para a extensão e gravidade da Doença Coronariana.
Entre a genética e o ambiente, mais sensato seria considerarmos 2 grupos de pacientes coronarianos: aqueles que portam uma predisposição constitucional à doença e aqueles que não têm essa predisposição. Os primeiros são candidatos a coronariopatia mais cedo na vida, e tanto mais precoce quanto mais expostos forem aos fatores ambientais agravantes. Os segundos estão sujeitos à coronariopatia mais tardiamente.
Da mesma forma, neste segundo grupo a Doença Coronariana se desenvolverá tanto mais tardiamente quanto menos expostos forem aos fatores ambientais agravantes. De um modo geral podemos considerar que quanto mais intensamente cada fator (constitucional ou genético) estiver presente e quanto mais ele for potencializado pela associação com outros fatores, mais agirá no desenvolvimento da doença. Interessa-nos particularmente aqui, as condições intimamente relacionadas ao Estresse e desenvolvimento de coronariopatia.
O Estresse e a Doença Coronariana
Se não há mais necessidade didática de se demonstrar que o estresse influi no desenvolvimento da Doença Coronariana, então vamos nos preocupar com a natureza do estresse nosso de cada dia.

Antes de qualquer coisa, é bom ter em mente que o ambiente competitivo, a responsabilidade, a premência de tempo, instabilidade social e mudanças do cotidiano, embora sejam fatores psicossociais claramente relacionados com Doença Coronariana, eles desempenharão papel mais estressante ou menos estressante nas diversas pessoas. Então podemos dizer que, embora o estresse seja ambientalmente estimulado, ele será variavelmente percebido pelas diferentes pessoas.
Talvez a base do estresse pessoal esteja no conflito e nas frustrações, ou seja, na contra-posição entre o querer, o dever e o conseguir. Sabendo que a existência dos conflitos é universal e fisiológica, a maneira como reagimos à eles é que caracterizará as pessoas; alguns reagem aos seus conflitos com muito mais ansiedade (e estresse) que outros. Portanto, as pessoas reagirão de maneira diferente diante de uma mesma realidade, ou ainda, arriscarão diferentemente a saúde de suas coronárias.
Nossa cultura costuma instigar o indivíduo a conseguir realizar cada vez mais em cada vez menos tempo. No conflito humano esse "conseguir" não diz respeito exclusivamente ao trabalho, mas se refere também às realizações sociais, à adaptação ao convívio com outras pessoas, outros ambientes. Diz respeito também à aquisição e manutenção de bens e do "status", à necessidade de gerar os recursos pessoais e familiares, à necessidade realização pessoal.
A contra-posição ou conflito entre o querer e o conseguir, ou seja, a defasagem entre querer e realizar é que determina o conflito e este, dependendo da pessoa, pode gerar uma situação estressante capaz de consumir internamente o indivíduo e determinar sua doença.
A facilidade social para fumar, beber, ingerir certos alimentos, não praticar exercícios físicos, em contra-posição com aquilo que a pessoa sabe ser o certo (dever) também gera conflito entre o querer e o dever, ou entre o dever e o não conseguir. O estado interno dessas pessoas é de ansiedade, angústia, tensão, frustração, culpa, irritabilidade e até depressão. Esses sentimentos nem sempre são revelados de forma pura, mas sim, dissimulados em alterações psicossomáticas.
Dependendo de sua personalidade, a pessoa conseguirá ou não superar ou viver bem apesar desses conflitos inevitáveis. Se ela vive obsessivamente em busca de realizações e ganhos, tendo essa diretriz como norteadora de toda sua vida, poderá não estar psicologicamente preparada para as frustrações e perdas inevitáveis que a vida oferece. Se biologicamente ela for predisposta ou se, em conseqüência de um determinado estilo de vida estiver muito exposta aos fatores de risco, provavelmente desenvolverá a Doença Coronariana.
A prática médica tem mostrado que as doenças ou mortes de familiares, a perda de emprego ou de prestígio, os conflitos conjugais e a insatisfação profissional estão habitualmente relacionados ao Infarto do Miocárdio ou a crises coronarianas. As adversidades da vida em algumas pessoas (note que sempre se coloca "em algumas pessoas"), podem determinar sentimentos de desilusão, desistência ou desesperança, sentimentos de derrota, culpa ou desencanto suficientes para desenvolver a coronariopatia necessária ao Infarto do Miocárdio.
Vendo o histórico de vida desses pacientes, pode ser que não seja detectado nenhum fator vivencial desencadeante ou diretamente relacionado ao problema das coronárias mas sim, um acúmulo de vários fatores estressantes (para esses pacientes) capazes de gerar intensa sensação de insatisfação, de derrota, culpa, desencanto ou desistência.
Depressão e Doença Coronariana
Os estudos recentes sugerem que a Depressão é um dos principais fatores de risco, não somente para o desenvolvimento da Doença Coronariana, mas também de mortalidade entre os pacientes que tiveram um Infarto do Miocárdio. Frasure-Smith e colaboradores mostraram que entre os pacientes que tinham experimentado um Infarto do Miocárdio, que a Depressão era o principal fator de aumento de risco de morte no ano que seguiu ao infarto.

As conseqüências deletérias da Depressão sobre a saúde, particularmente entre pacientes cardíacos, representam um peso substancial para a saúde pública. Assim, pesquisas adicionais são necessárias para descobrir os relacionamentos entre a Depressão, doença cardíaca e mortalidade.
Os investigadores estão começando a conduzir estudos epidemiológicos mais rigorosos para determinar melhor o grau de risco que a depressão acrescenta, além de outros fatores de risco, tais como fumar e obesidade, no desenvolvimento de coronariopatias. Os estudos procuram determinar os mecanismos precisos através dos quais a depressão aumenta a mortalidade entre os pacientes que experimentam ataques de coração. Entre as propostas inclui-se a possibilidade da Depressão diminuir a aderência dos cardíacos ao tratamento (por desilusão, desesperança ou desinteresse), bem como a possibilidade deles não obedecerem atitudes para a manutenção da saúde própria.
Uma outra possibilidade é que a depressão exerça seus efeitos deletérios através de mecanismos biológicos, tais como a adesividade crescente das plaquetas, tornando os pacientes mais vulneráveis ao desenvolvimento de oclusão arterial e novo Infarto do Miocárdio subseqüente (Wayne Katon) ou ainda, influência do sistema nervoso autônomo sobre a contratura da musculatura lisa das artérias coronárias.
Outro estudo (Wulson, 2000) comparou pacientes com história de sintomas depressivos e pacientes que não tiveram depressão. Depois de criteriosamente avaliados os riscos relativos para o desenvolvimento coronariopatia nos depressivos contra os pacientes que não tinham depressão, concluiu que o risco relativo para que os depressivos desenvolverem doença coronariana é comparável ao risco associado com a obesidade e um pouco mais baixo do que o risco associado com hábito de fumar.
Estes e mais outros tantos resultados sugerem que o diagnóstico e o tratamento eficazes da depressão são essenciais, já que a depressão aumenta o risco de desenvolver doença coronariana. E parece que tanto o diagnostico quanto o tratamento são negligenciados pelos clínicos.
Para ilustrar esse desinteresse da clínica para com a questão emocional, Fulop (2000) avaliou a presença de Depressão entre pacientes idosos com Insuficiência Cardíaca Congestiva. Nesse estudo, no qual observou que 21,7% dos pacientes com alta hospitalar do serviço de cardiologia tinham quadro de Depressão, ressaltou que a presença da Depressão raramente é valorizada pelos médicos que assistem a esses pacientes.
O dado mais surpreendente de Fulop foi a constatação de que nenhum dos pacientes acompanhados pelo seu estudo foi diagnosticado corretamente e nem tratado com os antidepressivos até um período de 7 meses depois da alta hospitalar. São muito numerosos os estudos que mostraram a eficácia dos inibidores seletivos do recaptação da serotonina (ISRS) no tratamento da Depressão, bem como a constatação de que estes medicamentos são bastante seguros para pacientes com doença de coração.
Depressão e Infarto do Miocárdio
A Depressão é um forte agravante para a mortalidade no Infarto do Miocárdio. Um paciente que desenvolve uma depressão clínica dentro dos 18 meses depois do Infarto do Miocárdio eleva significativamente o risco de mortalidade. As arritmias ventriculares poderiam ser o principal mecanismo implicado, notadamente as extra-sístoles.

Há maior probabilidade de diagnóstico de depressão entre pacientes que apresentam mais de 10 extra-sístoles ventriculares prematuros por hora que naqueles que apresentam menos de 10 (Frasure-Smith, 1995). Essa questão da presença de depressão em pacientes com extra-sístoles ventriculares foi avaliada mediante o questionário de Beck.
Alguns estudos têm apontado em torno de 66% o número de pacientes com Infarto do Miocárdio que sofrem algum transtorno emocional, principalmente de depressão ou ansiedade (U.S. Department of Health ande Humam Services, 1998). A Depressão Maior esteve presente em aproximadamente 20% dos pacientes que tiveram Infarto do Miocárdio, e a forma menor foi um pouco mais presente (27%). Em contraste, na população geral, a incidência de depressão maior e menor, tem sido de 3% e 5% respectivamente. Mais alarmante ainda é a ocorrência de Depressão pós-ponte coronária (ou outra cirurgia de revascularização), chegando a cifras assustadoras de 68% dos pacientes (Petersom, 1996).
A Depressão neste grupo de pacientes reduz as possibilidades de uma retomada das atividades ocupacionais ou sociais, e mais grave ainda, aumenta o risco de futuros eventos cardíacos com maior mortalidade, tais como o re-infarto e a morte súbita. O pior prognóstico da Doença Coronariana tem sido associado tanto à forma "clínica" como à "sub clínica" da Depressão.
Recuperação e Evolução do Paciente CoronarianoUma série de trabalhos e observações científicas tem constatado que um dos principais fatores de proteção contra o Infarto do Miocárdio, e mesmo como favorecedora da recuperação dessa doença, tem sido o apoio emocional ao paciente (ou à pessoa) oferecido pelos grupos de suporte social (Barefoot, 1996).
Entende-se por grupos de suporte social, toda estrutura grupal que propicia ao indivíduo sentir-se amado e valorizado, cuidado e protegido, sentir-se membro de uma rede de interações e comunicações interpessoais franca, clara e solidária. Inclui-se nesses grupos de suporte social, a família, os ambientes de trabalho, o bairro, a igreja, o clube. Portanto, as situações de isolamento a que as pessoas se submetem ou são submetidas pelo ambiente gregário moderno são fatores agravantes para o desenvolvimento de coronariopatias (Frasure-Smith, 1995).
Outros aspectos importantes a considerar nos estudos dos fatores psicossociais relacionados à Doença Coronariana é o modo pelo qual o coronariano vive sua doença, ou seja, o modo da pessoa representar ou dar significado à sua doença. Trata-se, essa representação íntima da doença, de uma atitude variável de pessoa para pessoa. Normalmente a coronariopatia ou o Infarto do Miocárdio representam uma séria ameaça de perda; perda da vida, dos familiares, do poder social e/ou econômico. Não obstante tais sentimentos são acompanhados de ansiedade, medo, culpa ou raiva, conforme a personalidade ou a história de vida.
Novamente, dependendo da personalidade do paciente, diante de tais sentimentos ele poderá assumir posturas características e próprias, tais como se tornar irritadiço ou agressivo, deprimir-se, desenvolver queixas hipocondríacas, pirraçar ou aceitar, enfrentar ou negar a doença, enfim, é possível até que a mesma pessoa apresente, em momentos diferentes, posturas diferentes. No tocante ao tratamento do coronariano, evidentemente, além das medidas clínicas, são importantes atitudes assertivas e benéficas do médico e da família do paciente. Nesse sentido, sugere-se:
1. A presença efetiva e afetiva do médico e da família, mais disponível possível, junto ao paciente. Júlio de Melo Filho (Psicossomática Hoje) cita trabalhos de Mather e Leigh, fazendo menção de resultados obtidos no tratamento dos pacientes em unidades coronarianas e em residências, mostrando que aqueles tratados em suas casas não diferiam, em termos de complicações ou evolução, daqueles tratados em unidades coronarianas.
2. A necessidade do médico e da família tomarem consciência dos anseios que envolvem o paciente com sua doença e, desse modo, compreender os mecanismos que o mesmo vem utilizando para lidar com ela.
3. A necessidade de se manter o paciente adequadamente informado a respeito de sua enfermidade dentro de uma atmosfera de expectativa otimista.
A Doença Coronariana pode desenvolver-se sem expressar sintomas durante vários anos, e quando tais sintomas estão presentes, classicamente começam a aparecer logo da segunda metade da vida. Os processos fisiopatológicos coronarianos de longo prazo se encontram relacionados com a disfunção endotelial e lesões arteroscleróticas, enquanto que os processos fisiopatológicos de curto prazo resultam de complicações agudas, como por exemplo, da ruptura da placa de ateroma e a conseqüente formação de trombos, isquemia miocárdica o desenvolvimento de arritmias ventriculares (Pepine, 1997).
Apesar de controvertidas opiniões nos últimos anos, é cada vez mais consensual que os eventos psíquicos possam modificar, mais cedo ou mais tarde, a historia natural da Doença Coronariana. As investigações experimentais em animais e os estudos epidemiológicos e clínicos em humanos apontam para essa evidencia médica (U.S. Department of Health ande Humam Services, 1998). Hoje, sabe-se que diferentes situações estressantes, agudas ou crônicas, podem precipitar isquemia cardíaca, arritmias, Infarto do Miocárdio e/ou a morte súbita.
É forte a suspeita de que, tanto a irrigação do miocárdio, o ritmo e a variação da freqüência cardíaca, como também a reação das plaquetas poderiam ser modulados pelo eixo hipotálamo–hipofisário–supra-renal, envolvido nas questões emocionais.
De acordo com estudos do The Precursors Study do Departamento de Medicina e a The Prospective Data From the Baltimore ECA Folow-up, do Departamento de Epidemiologia, ambos da Universidade Johns Hopkins (USA), a Depressão é um fator de risco com peso independente para a doença cardíaca, elevando mais de 2 vezes o risco relativo de Doença Coronariana e de Infarto do Miocárdio (Pratt, 1996; Forde,1998). Assim sendo, com a liberação excessiva ou prolongada de catecolaminas e corticóides por causa do estresse ou ansiedade exagerada acaba provocando alterações cardíacas como arritmias, hipertensão arterial, aterosclerose coronária, isquemia ou necrose miocárdica e insuficiência cardíaca.
Alguns trabalhos constatam desenvolvimentos experimentais de arritmias em gatos e macacos submetidos a estresse continuado, assim como mostram situações estressantes desencadeando liberação de catecolaminas e corticosteróides e provocando lesão no miocárdio, aumento do consumo de oxigênio e lesão celular por entrada de Na (sódio) e saída de K (potássio) e Mg (magnésio).
A participação do sistema nervoso na origem da hipertensão arterial foi e tem sido tema de inúmeros trabalhos sendo, hoje em dia, aceito universalmente que o estresse eleva a pressão arterial. Através da ação direta dos nervos simpáticos ou, indiretamente, da estimulação das glândulas suprarrenais, corticóides e catecolaminas são liberadas promovendo aumento do débito cardíaco, a qual, juntamente com a vasoconstricção e retenção de sódio e água elevariam a pressão do sangue.
Normalmente tais modificações são transitórias, havendo o retorno às condições iniciais quando cessa o estresse. Nas pessoas predispostas à hipertensão e nos já hipertensos, essa reação é mais intensa e mais prolongada.

HIPERTENSÃO ARTERIAL E EMOÇÕES
O atual conhecimento médico no que diz respeito às causas da Hipertensão Arterial tem enfatizado seu aspecto multifatorial, resultante de um complexo desequilíbrio no sistema responsável pela manutenção de um fluxo e volume sanguíneo satisfatórios e do tônus da musculatura arterial. Na realidade, apenas 10% dos casos de Hipertensão Arterial têm suas causas específicas detectadas e a expressiva maioria dos casos continua sendo rotulada de Hipertensão Arterial Essencial, ou seja, sem causa orgânica definida.
A necessidade do organismo de manter sempre um fluxo sangüíneo adequado a todos seus órgãos e sistemas, a freqüência do coração, as enzimas, íons, contratura dos vasos e perfusão renal ocorrem integradamente, sob o comando e controle do Sistema Nervoso Central. Nossas necessidades corporais de sangue variam de momento a momento e de região a região do corpo, conforme as influências e solicitações internas e externas, portanto, a regulação da pressão arterial é uma tarefa adaptativa bastante complexa. Detectar nossas necessidades biológicas e situacionais, bem como atuar na regulação da pressão arterial é um dos atributos do Sistema Nervoso Autônomo.
Existe uma linha de pesquisas sobre a origem da Hipertensão Arterial que têm apontado para uma alteração constitucional (genético ou não) na permeabilidade da membrana de algumas células (entre elas as células tubulares renais, as células da musculatura lisa dos vasos sanguíneos e dos neurônios adrenérgicos) que promoveriam maior retenção de sódio intracelular.
Há outra linha de pesquisas que investe na investigação de um defeito constitucional (genético ou não) nos centros neurológicos do bulbo e do hipotálamo, bem como nos pressorreceptores, no sistema nervoso simpático ou no sistema vascular e renal.
O componente genético da Hipertensão Arterial se suspeita tendo em vista a incidência maior de hipertensão em famílias de hipertensos. Segundo alguns autores, a tendência hereditária costuma aparecer em cerca de 45 a 75% de todos os pacientes. Em gêmeos univitelínicos a concordância para Hipertensão Arterial é de 50% e nos bivitelínicos de 23%.
A discrepância de 50% nos gêmeos univitelínicos sugere que o mecanismo genético-constitucional pode não ser o responsável exclusivo para o desenvolvimento da hipertensão, nascendo aí a hipótese de que certos fatores ambientais também pudessem sustentar a pressão arterial elevada.
Observou-se, em muitos trabalhos, que determinadas comunidades que não ingerem sal não desenvolvem Hipertensão Arterial, como ocorre com os índios ianomãmi (Carvalho, 1983). O papel do estresse na elevação da pressão arterial, tanto em homens como em animais, também tem sido pesquisado. Variados experimentos que empregam estímulos ambientais estressantes contribuem para essas hipóteses. Isso tudo acaba por sugerir que, entre outros, pelo menos dois fatores ambientais conhecidos têm se destacado na gênese da Hipertensão Arterial: a ingestão de sal e o estresse. Interessa-nos as questões relacionadas ao estresse.
Juntando-se essas hipóteses com as idéias de Selye sobre a adaptação continuada do organismo através do estresse, vamos entender que, em determinadas circunstâncias, a elevação da pressão arterial faria parte dessa resposta adaptativa. Isso, de certa forma, corrobora a idéia de que, em muitos casos, a hipertensão arterial pode ser incluída nos transtornos da adaptação. Quer dizer que determinado organismo que vive uma situação de estresse e exige uma resposta adaptativa poderá reagir com hipertensão arterial.
Em intensidade e duração discretas, a elevação da pressão arterial durante momentos de estresse pode ser considerada uma resposta perfeitamente fisiológica às solicitações do estresse. No paciente hipertenso, entretanto, observa-se não só intensidade maior da resposta hipertensiva, como também duração maior, sendo que, em alguns casos, os níveis pressóricos se manteriam permanentemente elevados.
Se é fisiológica a resposta hipertensiva diante do estresse, se é constitucional a sensibilidade a desenvolver essa resposta em intensidade e duração exageradas, então nossa preocupação não se detém mais na influência do estresse sobre a pressão arterial, mas sim, na vulnerabilidade da pessoa ao estresse, ou seja, na característica de certas pessoas se manterem estressadas.
Voltamos, então, à questão muito propalada da sensibilidade variável de pessoa a pessoa, ou seja da existência de uma espécie de filtro afetivo por parte de cada indivíduo, no sentido de avaliar e valorizar desta ou daquela maneira as diversas situações vividas e enfrentadas.
Através dos filtros afetivos, os quais constituem o sistema de avaliação através do qual a pessoa sente e valoriza sua existência, as circunstâncias e situações atuais serão julgadas como sendo mais ou menos ameaçadoras, portanto, exigindo maior ou menor esforço de adaptação, exigindo maior ou menor intensidade e duração das respostas adaptativas.
Ainda através dos filtros afetivos, a pessoa valorizará como mais traumático ou menos traumático os seus conflitos íntimos, suas frustrações e sentimentos de perdas. Será também através das lentes da afetividade que o mundo intrapsíquico pode se constituir ou não numa fonte de ameaças e sofrimento. É por causa disso que acabamos por considerar agentes estressores, não apenas as situações ou fatores ambientais e exteriores ao sujeito, mas a estrutura e os conflitos intrapsíquicos, frutos da sua personalidade e de sua história de vida.
Franz Alexander foi um dos primeiros autores a observar e descrever as peculiaridades daquilo que chamava de Personalidade Hipertensiva. Trata-se de pessoas com um núcleo de hostilidade reprimida. Atualmente crê-se que, além desse traço hostil reprimido, o hipertenso pode apresentar também um afeto depressivo, dependência dissimulada, passividade, sentimentos pessimistas e dificuldade para externar emoções.
A Depressão representa o transtorno psiquiátrico mais habitual no idoso. As cifras da prevalência da Depressão na população geriátrica oscilam entre o 7,7 (Forsell) e 14,2% (Copelande et al). Quando consideramos freqüência dos transtornos depressivos nos idosos incapacitados por alguma doença somática essas cifras aumentam muito, chegando, segundo Harper, em uma mostra de doentes hospitalizados por doenças físicas, a 51,7.
Gómez-Feria acompanhou 285 pacientes de 60 anos ou mais, atendidos em consulta de psicogeriatria. Um total de 72,6% dos pacientes apresentava depressão. Este diagnóstico estava presente em 74,4% das mulheres e no 67,14% dos homens. A idade média de início da doença depressiva foi de 54,4 anos. Aproximadamente, metade dos pacientes estava incapacitada no funcionamento social, familiar ou nos cuidados pessoais.
Um total de 175 pacientes (84,5%) apresentava fatores ambientais que influíram na origem e manutenção da doença depressiva e 96,1% dos pacientes depressivos apresentava doenças físicas.

ARRITIMIAS CARDÍACAS E EMOÇÕESO estresse emocional pode precipitar arritmias ventriculares e/ou morte súbita, ao estimular vias serotoninérgicas no SNC, as quais afetam fortemente o funcionamento cardiovascular (Jiang, 1996).
A ira ou raiva é o estado emocional que com maior freqüência se associa à isquemia miocárdica e arritmias mais graves. É por isso que se questiona se o surgimento de extra-sístoles no período pós-Infarto do Miocárdio em pacientes depressivos seria conseqüência do efeito disrítmico da Depressão (Frasure-Smith, 1995). Tendo em vista a melhora dessas arritmias cardíacas com bloqueio adrenérgico, reforça-se a noção da influência cardiocirculatória do sistema nervoso simpático.
O estudo da freqüência cardíaca e sua variabilidade estimulam o estudo da atividade simpática e parasimpática. Os resultados, até agora, são surpreendentes e muito curiosos.
Segundo Kleiger (1987), um paciente com freqüência cardíaca média de 80 bpm com variabilidade de ±5 bpm, comparado com outro, cuja freqüência cardíaca média seja a mesma (80 bpm), mas com variabilidade de ± 20 bpm, tem uma variabilidade diminuída e um risco de morte súbita pós Infarto do Miocárdio maior.
Essa diminuição na variação da freqüência cardíaca é notória entre pacientes depressivos, quando comparado com grupos não depressivos (Dalack, 1990). Carney (1995) reafirma esses dados, analisando pacientes com Doença Coronariana confirma, angiograficamente e com eletrocardiografia dinâmica, uma diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca significativamente mais comum nos pacientes depressivos que nos não depressivos. Assim sendo, a Depressão aumentaria a incidência das arritmias ventriculares pelo predomínio do Sistema Nervoso Simpático, descarregado através da conexão entre o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipotálamo.

COAGULAÇÃO E EMOÇÕESHá tempos se propõe que a depressão possa afetar a coagulação e a trombogênese (Markovitz, 1991). Estes processos seriam centrais para compreender o mecanismo pelo qual a depressão é fator de risco para Doença Coronariana e Infarto do Miocárdio.
As plaquetas têm em suas membranas receptores adrenérgicos, dopaminérgicos e serotoninérgicos. Aventa-se a possibilidade da hiperatividade destes últimos ser uma das causas da combinação entre a Depressão e as doenças cardiovasculares pois, as plaquetas representam um modelo da atividade das vias serotoninérgicas cerebrais, de tal forma que a captação de serotonina e a expressão de seus receptores seja homologada pelo cérebro.
Por algum motivo ainda desconhecido, os receptores serotoninérgicos plaquetários do paciente depressivo são hiper-reativos. Estas plaquetas, digamos, hiper-reativas, detectadas por citometria de fluxo ativado por luz fluorescente aceleram a formação de trombina, a liberação de fatores que induzem a migração leucocitária, a proliferação de células e, por fim, a agregação plaquetária, incrementando assim o risco de doenças cardiovasculares e/ou a morte súbita pós-Infarto do Miocárdio (Musselmam, 1996).
É também sabido que a Hipertensão Arterial, a hipercolesterolemia, o fumo e a idade avançada são fatores que predispõem ao desenvolvimento das doenças cardiovasculares, e todos eles contribuem para a ativação serotoninérgica das plaquetas. Há evidência médica suficiente para suspeitarmos ocorrem alterações do Sistema Nervoso Central, particularmente no Sistema Nervoso Autônomo e na função serotoninérgica plaquetária em pacientes depressivos e que essas são causas fortemente atreladas à doenças cardiovasculares (Owens, 1994).

A DOENÇA CARDÍACA SEGUNDO O PACIENTE
As características da sociedade de hoje, individualista, competitiva, aglomerada e espremida no espaço urbano, sedentária, tabágica, com hábitos alimentares errados, ingestão excessiva de calorias e álcool, fariam da hipertensão arterial uma doença da modernidade e civilização. Além dos elementos sócio-culturais, também existem influências intrapsíquicas, representadas pelos conflitos e pelo modo peculiar da pessoa avaliar e enfrentar situações.
A compreensão das reações emocionais do paciente diante do adoecer deve ser muito valorizada pelo médico, embora, na prática, isso freqüentemente tem sido ignorado. A doença costuma ser estudada e entendida apenas pelo seu lado anatômico, clínico e sintomatológico. O que se pleiteia para o clínico é um enfoque mais generalista, através da compreensão da pessoa que vive sua doença.
A necessidade de uma abordagem psicossocial do cardiopata fez com que se reconhecesse o importante papel da informação sobre a doença na relação médico-paciente e, principalmente, na relação doente-doença, com evidentes benefícios à saúde do paciente. As falhas na educação apropriada repercutem na recuperação do paciente, nos cuidados pessoais, na ausência das necessárias mudanças de hábitos e, conseqüentemente, ficariam aumentadas as chances de resultados terapêuticos insatisfatórios.
Algumas pesquisas (Glória H. Perez, Bellkiss W. Romano - Temas Livres do LII Congresso da SBC) podem apontar que até 57% dos pacientes não sabem o nome da sua cardiopatia corretamente, 37% não sabem defini-la, 43% não sabem as causa genéricas da doença e 35,5% não sabem as causas específicas do seu próprio caso. Esses conhecimentos se relacionam menos com o nível de escolaridade do que com o grau de informação fornecido pelo médico.
O conhecimento da cardiopatia pelo próprio paciente é extremamente acanhado, e não parece haver consciência desta realidade. Detecta-se uma postura absolutamente passiva e de alienação em relação à doença e tratamento por parte do paciente, ignorância esta atribuída exclusivamente à responsabilidade do médico.
Costuma ser desafiante a tarefa de sugerir medidas gerais, de cunho psicossocial, que objetivem prevenir, tratar ou reabilitar um cardiopata. Uma forma abrangente de prevenir a doença coronariana seria:
1. Ampliar o nível de conscientização do indivíduo sobre seu modus vivendi, sobretudo no que diz respeito ao estabelecimento de metas reais alcançáveis, à necessidade de estabelecer prioridades de tal modo que possa fazer uma coisa de cada vez e à percepção de que certos hábitos de vida deterioram sua saúde.
2. Propiciar ao indivíduo (no ambiente de casa, do trabalho, da escola e dos serviços de saúde) suportes sociais que o façam sentir-se amado e valorizado, cuidado e protegido e membro de uma rede de interações e comunicações que funcione de maneira franca e precisa.
3. Conscientizar o indivíduo acerca dos efeitos deletérios do estresse e propor métodos para reduzi-lo.
4. Estimulá-lo a ampliar seu autoconhecimento através de técnicas psicoterápicas.
Informá-lo sobre os fatores de risco da doença, orientando-o e estimulando-o no sentido de combater esses fatores.
Com relação à Hipertensão Arterial, uma série de fatores tem sido aventada como responsáveis pela pequena aderência dos pacientes ao tratamento. Entre elas relacionamos as seguintes:
1. Evolução assintomática da doença.
2. Necessidade de tratamento continuado.
3. Custo e efeitos colaterais dos remédios.
4. Necessidade de fazer dieta.
5. Desinformação em relação à doença.
6. Dificuldade em obter cuidados médicos.
7. Relação médico-paciente insatisfatória.
8. Situações psicossociais estressantes.
9. Falta de suportes sociais.
10. Desmotivação e baixa auto-estima.
11 . Núcleos conflitivos não resolvidos.
12. Utilização da doença como "benefício emocional secundário".
As respostas cardiovasculares ao estresse têm-se relacionado com o desenvolvimento de diversas alterações clínicas importantes, utilizando-se como indicadores das mesmas a reatividade e a recuperação cardíacas. A atividade eletrodérmica é o parâmetro que tem sido utilizado como índice clínico de diversas alterações relacionadas com o estresse. 

A "OPÇÃO" PELO CORAÇÃO
De fato ninguém duvida da repercussão cardíaca do estresse. Entretanto, porque algumas pessoas reagem "cardiacamente" e outras não. De um modo geral e em graus variáveis, sempre há participação do sistema cardiovascular nas situações de estresse. Assim sendo, pode-se dizer que há uma sensibilidade especial do sistema cardiovascular às emoções. A palpitação que sentimos depois de um susto não significa que "sofremos" do coração mas, que nosso coração sofre com os sustos.
Quantitativamente, quanto mais persistente e intensa for o estresse, maior será a repercussão sobre o sistema cardiovascular. A vulnerabilidade que tem certos indivíduos ao comprometimento patológico das emoções sobre o coração, como é o caso das taquiarritmias, hipertensão arterial essencial, coronariopatia, etc., denota a existência prévia de vulnerabilidades constitucionais na estrutura desse sistema. São pessoas que acabam padecendo de cardiopatias em conseqüência do estresse da vida.
Os autores mais psicodinâmicos consideram a somatização, qualquer que seja ela, remanescente de fases mais primitivas do desenvolvimento da personalidade. Desde cedo a criança vivencia situações de estresse e, com certa freqüência, aprendeu a reagir somaticamente a esses estímulos. Depois de adulto, falhando outros meios mais eficazes de enfrentamento, a pessoa volta a lançar mão dos recursos da antiga somatização.
Considerando a hipótese das somatizações servirem como meio de obter atenção ou como forma de autopunição, o coração, tanto quanto ou até mais que outro órgão, poderá ser utilizado com tais objetivos.
Várias queixas funcionais ou distúrbios orgânicos podem estar a serviço das emoções. Diante de algum distúrbio orgânico cardíaco prévio, as razões emocionais atuariam como expressivos agravantes no paciente psicossomático. A tendência à autopunição desses pacientes poderia ser percebida através da atitude da pessoa diante da Doença Coronariana. Vemos essa ocorrência no desleixo ao cumprimento da prescrição médica, nas provocações quase propositais dos sintomas e agravamentos.
Essa tendência autopunitiva é mais evidenciada ainda na atitude da Desistência Depressiva. Aqui o paciente "dá a impressão" de não burlar o tratamento mas, seu desinteresse em curar-se é tão intenso que a resposta aos esforços terapêuticos são em vão. Essa teoria pode explicar porque alguns pacientes acabam falecendo pouco tempo depois da morte do(a) cônjuge.
Há ainda razões emocionais para o desenvolvimento de algumas patologias em relação aos chamados comportamentos aditivos, como é o caso de beber, fumar, trabalhar excessivamente, mesmo quando o paciente é orientado pelo médico para moderar nessas atividades. Freqüentemente o comportamento aditivo (autodestrutivo) está a serviço de íntimas necessidades psicológicas, complexos, conflitos e experiências vividas não totalmente elaboradas. Tais casos costumam estar associados à complexos de culpa.
Pela fisiopatologia psicossomática haveria comprometimento do coração, por descaso e negligência do paciente, a ingestão excessiva de sal e de gordura, a inalação da nicotina e do monóxido de carbono do cigarro, o abuso de álcool ou o estresse e trabalho excessivo.
A identificação é outro dos mecanismos geradores de somatização que podem repercutir no coração. Principalmente em se tratando de reações hipocondríacas (leves ou graves) e que assumem maiores proporções face à importância (até simbólica) do coração na manutenção da vida do indivíduo. Basta saber que alguém morreu do coração e logo o hipocondríaco sente dor precordial. Se ocorre doença cardíaca em algum parente significativo, a probabilidade de queixas hipocondríacas voltadas para o coração é grande. Por fim, considerando todo o simbolismo atribuído ao coração como fonte de vida e sede das emoções, fácil é imaginar a sua utilização como veículo de expressão simbólica.
Tudo isso nos leva a afirmar quão difícil se torna às vezes (ou muitas vezes) afiançar qual desses mecanismos estará presente num dado paciente. Acreditamos inclusive que provavelmente vários deles estarão presentes. É difícil afastar a hipótese de alguma hipersensibilidade ou fragilidade constitucional quando estamos diante de alterações como a hipertensão arterial e a aterosclerose. Mas é difícil afirmar que só a tendência constitucional é responsável pela eclosão das manifestações clínicas. O fator ambiental parece estar comprometido também. Mesmo aqui, poderíamos argüir como fatores contribuintes apenas os ligados à alimentação, ao fumo e ao álcool.
Não obstante, a energização ou potencialização de todos esses fatores (constitucionais e ambientais) parece passar pelo componente psíquico, seja como fonte de avaliações estressantes processadas pelo sistema nervoso central, seja através da participação do sistema cardiovascular na resposta ao estresse, seja pelo estímulo àqueles procedimentos aditivos (que levam o indivíduo a comer demais, beber e fumar demais, trabalhar demais). E se considerarmos os distúrbios funcionais (extremamente freqüentes na prática cardiológica) aí então os mecanismos psíquicos crescem de importância como fatores primários geradores da queixa somática que o paciente nos apresenta.

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