Cativar
segundo o dicionário significa impressionar uma pessoa (ou várias) com
seu caráter ou jeito de ser, agir ou falar. Isso mesmo, impressionar com
o caráter ou jeito de ser. Entretanto, parece-me que esse verbo está
ficando obsoleto. Talvez, eu esteja errado, mas me consolo, ao saber que
uma das figuras mais sábias da literatura divide a mesma opinião.
Em
um mundo cada vez mais dinâmico, em que as pessoas estão sempre com
pressa, perder tempo com alguém não faz parte do cardápio. A modernidade
líquida com a sua fluidez apresenta um problema no que tange às
relações humanas, qual seja, a dificuldade de criar laços.
Essa
dificuldade foi percebida como muita sensibilidade por Saint-Exupéry, no
seu magnífico (foi difícil escolher a palavra) “O Pequeno Príncipe”. Na
obra, lá pela parte XXI, o principezinho encontra uma raposa, a qual
lhe transmite ensinamentos sobre a arte de cativar.
“Que quer dizer cativar? É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laços.”
Cativar
é uma arte que realmente está esquecida. Não queremos perder tempo com
ninguém, logo, não buscamos criar laços. Pelo contrário, temos
necessidades de relações com facilidade em desconectar (já se perguntou
por que o Facebook faz tanto sucesso?). Construir laços é muito
trabalhoso e leva tempo. E tempo é o que não temos no mundo líquido.
Por
que devo perder tempo cativando alguém, isto é, construindo laços, se
posso a cada dia ter novos “amigos”? A conta é simples – quando enjoo de
alguns, troco por outros – e o melhor: a conta sempre bate. Os adultos
são especialistas em fazer contas, talvez, por isso se adaptem tanto a
esses relacionamentos.
A resposta à pergunta supracitada pode ser
respondida por qualquer indivíduo minimamente honesto, pois esses
relacionamentos podem garantir até alguma coisa, mas, amizade não é uma
delas.
Para ser amigo de alguém é preciso saber cativar, e para
cativar é preciso perder tempo. Criar laços é como construir uma ponte,
uma vez que, se não estiver bem feita, nos faz cair. Criar laços é fazer
de alguém simples, uma pessoa especial; de um em meio à multidão, a
multidão em meio a um. Ou seja, é trabalhoso e ultimamente tenho a
impressão de que as pessoas não gostam de sujar as mãos.
Talvez, ainda não tenham compreendido o que é cativar. Sendo assim, retiro-me para que uma amiga mais sábia que eu possa falar:
“Exatamente,
disse a raposa. Tu não és nada ainda para mim senão um garoto
inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade
de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos
de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós
teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu
serei para ti única no mundo.”
Ah! Agora, talvez tenham
compreendido a importância de criar laços. É somente quando criamos
laços que nos tornamos únicos para o outro. Só, quando nós cativamos o
outro, nos tornamos importantes para ele, pois só carregamos dentro de
nós aquilo que não encontramos em nenhum outro lugar.
Cativar é um
verbo que tem como complemento direito alguém, quem em meio a tantos se
tornou único. E não há como ser único estando sempre com pressa, de
modo que não esteja presente para dar um abraço ou decifrar os enigmas
de um longo olhar. Também, não há como comprar um amigo em lojas ou
sites de vendas. É preciso saber perder tempo para ter amigos.
“Os
homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo
prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não
têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me.”
Perder
tempo com alguém, como isso nos assusta. Aliás, a própria expressão
“perder tempo” é controversa, pois não perdemos nada estando com alguém,
pelo contrário, ganhamos. Entretanto, por medo ou conveniência (ou os
dois) esquecemos o significado de cativar.
A bem da verdade, criar
laços não é fácil, como já disse, e exige além de esforço, paciência.
Paciência para esperar o cimento que mantém os tecidos coesos secar.
Paciência para compreender os mistérios que permeiam o outro. Paciência
para conhecer, uma vez que:
“A gente só conhece bem as coisas que cativou.”
Como
não andamos com muita paciência, por consequência, não cativamos e como
não cativamos, não conhecemos ninguém de verdade. Contentamo-nos em
passar pela vida conhecendo apenas representações. Muito preocupados em
aparecer, esquecemos como é bom ser importante para alguém, pois quando
somos importantes, ainda que deixemos de existir, continuamos existindo
no outro.
Existindo em função dos laços que criamos, das horas
“perdidas” cativando. Existindo em cada pedacinho que respira. Existindo
em cada nó que forma o laço. E como nós são pequenos, dificilmente os
veremos com os olhos, mas é um erro procurá-los com os olhos, pois: “Só
se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”
fonte: pensarcontemporaneo.com