Uma abordagem budista de como encarar a separação afetiva no casamento e na vida cotidiana, por Monja Coen. Publicado no blog da Folha de São Paulo, “Casar, Descasar, Recasar”, de Bell Kranz, no dia 8 de janeiro de 2015. Veja um vídeo sobre o mesmo tema por Dzongsar Rinpoche.
Separar-se dói, mas também pode ser uma benção
É possível separar-se de alguém com respeito e com ternura.
É possível um divórcio verdadeiramente amigável.
Mas para isso é preciso que as duas pessoas envolvidas no processo de
desfazer um laço de intimidade tenham amadurecido o suficiente para
conhecer a si mesmas.
Caminhamos lado a lado com algumas pessoas em alguns momentos da vida.
Minha professora de hatha ioga, Walkiria Leitão, comentou em uma de nossas aulas:
“A vida é como atravessar uma ponte. Nem sempre as pessoas com quem
iniciamos a travessia são as mesmas que nos cercam agora ou com quem
chegaremos do outro lado. Mas sempre há alguém por perto. Nunca estamos
sós.”
O medo da solidão, muitas vezes, faz com que as pessoas suportem o
insuportável. Ou se lamentem após uma separação, apegadas até mesmo ao
conflito conhecido.
Ainda há mulheres que sofrem violências morais e até mesmo físicas de seus companheiros ou companheiras.
Ainda há homens que sofrem violências morais e até mesmo físicas de suas companheiras ou companheiros.
Como dar limites? Como conhecer esses limites?
Quando os limites são desrespeitados, as dificuldades começam.
Dificuldades que podem levar à separação e ao divórcio. Dificuldades que
podem levar ao sofrimento filhos e filhas, animais de estimação,
amigos, familiares.
Caminhamos lado a lado.
Ou não.
Quando nos afastamos e nos distanciamos, nunca é repentino.
Um processo que, se desenvolvermos a clara percepção da realidade do
assim como é, poderemos prever, antecipar e até mesmo alterar o
desenvolvimento do processo.
Entretanto, se não conseguirmos antever o que já acontece, se
colocarmos lentes fantasiosas sobre a realidade, poderemos nos desiludir
e nos sentirmos traídos na confiança mais íntima do ser.
Professor Hermógenes, um dos pioneiros do yoga no Brasil, fala sobre a criação de uma nova religião chamada “desilusionismo”:
“Cada vez que temos uma desilusão estamos mais perto da verdade, por isso agradecemos.”
Se você teve uma desilusão é porque não estava em plena atenção. Mas não fique com raiva nem de você nem da outra pessoa.
Nada é fixo. Nada é permanente.
Saber abrir mão, desapegar-se – até da maneira como tem vivido – é abrir novas possibilidades para todos.
Por que sofrer? Por que manter relações estagnadas ou de conflito
permanente? Ou como transformar essas relações e dar vida nova ao
relacionamento?
Apreciar e compreender a vida em cada instante é uma arte a ser praticada.
Separar-se dói, confunde, mexe com sonhos e estruturas básicas de relacionamentos.
Separação pode ser também uma bênção, uma libertação de uma fantasia, de uma ilusão.
Observe em profundidade.
Será que ainda é possível restaurar o vaso antigo?
No Japão, as peças restauradas são mais valiosas do que as novas. Tem história, emoção, sentimento.
Cuidado com o eu menor.
Cuidado com sentimentos de rancor, raiva, vingança.
Esse sentimentos destroem você, mais do que as outras pessoas.
Desenvolva a mente de sabedoria e de compaixão.
Queira o bem de todos os seres. Isso inclui você.
Cuide-se bem e aprecie a sua vida – assim como é –, renovando-se a
cada instante e abrindo portais para o desconhecido, o novo – que pode
ser antigo, mas novo a cada instante.
Mantenha viva a chama do amor incondicional e saiba se separar (se assim for) com a mesma ternura e respeito com que se uniu.
Esse o princípio de uma cultura de paz e de não violência ativa.
Que assim seja, para o bem de todos os seres.
Mãos em prece
Monja Coen é a Primaz Fundadora da Comunidade
Zen-Budista, com sede em São Paulo, onde promove diferentes atividades,
como práticas de meditação, cursos e palestras, além de casamentos e
outras cerimonias religiosas; http://www.monjacoen.com.br. É autora, entre outros, de “Sabedoria da Transformação” (editora Planeta).
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