.....Desamarre as suas fardas. Não faça guerra o tempo todo. Há momentos da vida que merecem simplicidade. Quem sabe assim, você possa descobrir, quando menos imaginar, quando menos tentar compreender, que a amizade é um recurso que nos ajuda a suportar os nossos fardos.....
Há momentos em que nossas águas não são suficientes para irmos adiante. Precisamos de ondas mais caudalosas. É aí que nos tornamos mais simples, menos complicados. No momento em que careço, sou mais verdadeiro. Deixo cair as armas, desamarro as fardas, porque todo soldado, por mais corajoso que seja ou possa parecer, sempre terá o direito de chorar e de dizer que sente medo.
A quem você tem chorado a sua dor? A quem você tem confessado os seus medos? A ninguém...
.. Você precisa retirar as armaduras. Chore. E que o seu choro não lhe envergonhe, meu amigo. Mas não chore sozinho. Ainda que você ache que o outro não terá inteligência para compreender suas razões, busque por ele. Chore sem explicar. O choro já é uma palavra cheia de significados. O choro dispensa as palavras. Há certos momentos em que um colo aconchegante vale mais que mil frases inteligentes. O sofrimento é o acontecimento humano que nos coloca todos numa mesma plataforma.
Quando sofremos e choramos somos todos iguais. Sábios e ignorantes, mestres e aprendizes, somos iguais.
Chore no colo de sua mãe. Colo de mãe é sempre seguro. Desaprenda de ser gente grande, ainda que por uns instantes. Volte a ser pequeno. Não continue insistindo neste orgulho. Você está alimentando a sua solidão a pão de ló. Trata-a com requinte porque é vítima da sua própria maldade. Clara tem razão de ir embora. Deve ser insuportável ficar ao lado de quem não precisa de ninguém.
....Alfredo, o bom da vida é a partilha das pequenas coisas. Aprendi isso na minha casa, com minha família, que foi o maior e melhor de todos os livros que já li. Foi lá que aprendi a dividir o que tenho e o que sou. Foi lá que aprendi a ser forte e a ser frágil....
... O amor de que Clara necessitava era simples, meu caro Alfredo. Um chocolate quente em tardes frias, uma conversa ao pé da escada, uma confissão sincera de um sentimento puro, gratuito e que não tem nome. Um carinho sem palavras, uma flor sem motivos.
Mas infelizmente você quis explicar o mundo a Clara através dos livros. Que pena! Você desconsiderou que o elemento mais bonito da vida é o mistério. É ele que alimenta os verdadeiros amores. Você achou que Clara fosse um cadáver passível de ser dissecado. Quis investigar a sua alma tal qual filósofo investiga uma questão filosófica. Quis mensurar tudo como se a pobre menina fosse um problema matemático.
Alfredo, Alfredo, nenhuma mulher gostaria de ser tratada dessa forma. O que faz a paixão prevalecer é a preservação do mistério. Conhecer alguém é antes de tudo respeitar o sacrário que deverá ser inviolável durante toda a vida. Ele é que trará a eterna sensação de novidade. Os amantes se movem assim. Olham, mas não veem tudo.Precisam imaginar. E, enquanto imaginam, experimentam a aventura de amar sem saber o que amam.
Quase uma atitude insana, não lhe parece? Eu sei que sim. Ouso ainda dizer que o que lhe faz sofrer é o fato de não ter tido tempo de dissecar tudo o que queria em Clara. Ela escapou de sua navalha afiada quando você menos esperava. Fugiu do seu controle, rompeu as estruturas do cativeiro. Sentiu que você perderia o seu encanto por ela, porque ela deveria intuir que ninguém ama cadáveres dissecados, sem mistério. Por isso ela fugiu. Eu também fugiria. E você?
Só mais uma coisa eu lhe peço. Não seja tão exigente com aqueles que poderão ser seus amigos. Não é necessário ter cursado faculdade para entender de dores. Basta ter sensibilidade humana.
......Carinhosamente,
Abner.
Trecho do livro "Tempo de Esperas", Padre Fábio de Melo
Postado por integracaoholistica.blogspot.com
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