segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Os elementos e os doshas




A reflexão sobre o processo da Criação do Universo, tem mobilizado a Humanidade desde sempre. Todas as Mitologias, de todas as culturas, falam abundante e detalhadamente sobre este assunto, tão rico em conhecimento simbólico.
Em qualquer que seja a tradição que se pesquise, pode se perceber as mais diversas leituras e versões deste processo – a Criação - onde o mais sutil, o Tao, o Absoluto, vai se precipitando – do infinito ao finito, do abstrato ao concreto, do absoluto ao relativo - até se manifestar como matéria densa aprisionada em uma dimensão tridimensional de relatividade (tempo/espaço) cuja principal característica é estar em contínuo movimento, sempre impermanente, sempre mutante.
E esta matéria densa, estágio final do processo da Criação, é formada em ultima análise, por elementos. As matrizes da matéria.
Nossa cultura reconhece quatro : Ar (Vayu), Fogo (Agni), Água (Apas) e Terra (Prittivi). Os hindus falam de cinco, incluindo o Éter (Akasha - Espaço). E os chineses também falam de cinco, incluindo Madeira e Metal.
O fato, é que além da importância que os elementos tem como fatores constitutivos da matéria física, estes também tem um rico e complexo simbolismo, representando qualidades universais que atuam em todos os níveis da nossa existência.
O Yoga, o Ayurveda e a Medicina Chinesa, e também as culturas xamânicas, estruturaram seus sistemas tendo como alicerces o conhecimento dos elementos.
O Ar, por exemplo, no seu sentido mais equilibrado, fala da leveza, do frescor, da rapidez, da respiração, das idéias e reflexos rápidos, da capacidade de mudar rapidamente e de sacudir a poeira da energia estagnada.
No seu sentido mais desequilibrado, o Ar fala da dispersão, da secura, da ansiedade, dos medos, da inconstância, da “cabeça à mil”, da frieza afetiva e da dificuldade de expressar as emoções e os sentimentos. Falta de aterramento e de raiz.
O Fogo, na sua polaridade equilibrada, fala da capacidade de processar e digerir (desde alimentos até emoções), de transmutar a sombra em Luz, de poder pessoal saudável e ego bem equilibrado, de criatividade. Fala da capacidade de construir (desde coisas até a própria história), de reciclar.
Na sua polaridade desequilibrada, o Fogo é a raiva destruidora, o ego inflado e tirânico, a volubilidade, a indigestão.
No Xamanismo o Fogo é o Avô, com quem se aprende as lições das outras dimensões.
Os índios dizem que quando estamos em torno do Fogo, nossos corações estão no mesmo nível e todos neste momento são Um.
Os indianos, que também fazem muitos rituais com Fogo, dizem que o Fogo físico representa o Ser Eterno, Absoluto, e as coisas que são oferecidas ao Fogo (ghee, cereais, ervas) simbolizam nosso ego que é oferecido por nós para ser dissolvido no Fogo Universal.
A Água, em seu lado equilibrado, fala do livre fluir das emoções, da alegria, do “jogo de cintura” e da flexibilidade. Fala do feminino, da juventude e da limpeza (em todos os sentidos).
Em seu lado desequilibrado, a Água pode expressar uma emocionalidade desequilibrada, (tendendo não para a raiva, como no Fogo, mas para o “dramalhão”), o movimento de “ir na corrente” se deixando levar pela correnteza.
Mas, se por outro lado, as águas são represadas, ou vazam por algum lugar, ou a represa pode estourar.
Finalmente, a Terra, que em sua qualidade mais equilibrada, expressa estrutura, aterramento, enraizamento, objetividade, determinação, memória, saúde física, prudência, capacidade de lidar bem com as questões materiais.
No desequilíbrio, o elemento Terra expressa imobilidade, dificuldade de mudar. Tristeza , apego, avareza, egoísmo, medo, peso, depressão , baixa auto-estima e preguiça.
Muitas foram as formas que os povos antigos desenvolveram para compreender, sistematizar e instrumentalizar este conhecimento de modo a que ele fosse útil no processo de auto-conhecimento e crescimento.
No universo hindu, os elementos (chamados de Mahabhutas) se relacionam com as Gunas, com os Chakras, e também com os Doshas, que é o que vamos tratar aqui.
A medicina tradicional hindu, a Medicina Ayurvédica, trabalha a partir do levantamento de uma tipologia básica que irá nortear todo o processo terapêutico. Esta tipologia baseia-se nos cinco elementos, e expressa como estes elementos estão atuando e se movimentando na fisiologia psico-física humana.
E o Ayurveda estabeleceu três tipos característicos: Vata, expressão dos elementos Espaço e Ar; Pitta, Fogo e Água e Kapha, Terra e Água. Todos nós nascemos com os três Doshas formando uma configuração que é pessoal e intransferível. E em cada um de nós os elementos atuam e influem de maneiras absolutamente singulares.
Pense bem, o que tem mais no Universo é espaço, não é mesmo? Além do espaço sideral em si, existe um enorme espaço inter-atômico na matéria do qual a gente não se apercebe.
O astrofísico Carl Sagan dizia que se pudéssemos espremer todo o planeta Terra de modo a que não houvesse mais nenhum espaço inter-atômico, toda a matéria da Terra caberia em um dedal...
E, por outro lado, o elemento mais quantitativamente presente na esfera do nosso planeta é o Ar.
Isto configura Vata como o Dosha principal, no sentido de ser aquele que desequilibra os outros Doshas justamente pela sua rapidez e volatilidade. Veja lá em cima no elemento Ar, suas qualidades.

Vata representa exatamente isso: como este Espaço e este Ar se movimentam em você e que padrões de desequilíbrio eles produzem e mantém.
No nosso corpo, Vata gerencia a mente, o sistema nervoso, a respiração, os ossos e articulações, os braços e as mãos, a dor, os movimentos peristáltico, cardíaco e pulmonar.
Desequilíbrios de Vata trazem stress, ansiedade, medo, má memória, prisão de ventre, problemas reumáticos, insônia, anorexia alimentar.
O Dosha Vata está relacionado a Guna Rajas(Fogo/Ar) e aos chakras Anahata (Ar) e Vishuddha (Espaço).

Depois temos o Fogo. O Fogo que cozinha, que consome, que aquece, que ilumina, que queima e que transmuta.
Em nós este Fogo é Pitta. Pitta é o fogo digestivo que trabalha os alimentos, é o fogo que mantém nossa temperatura a 36,5º, é o fogo que digere as emoções, é a sensualidade e a energia sexual, é a alegria e a coragem, é o poder de construir, de ser inteligente, objetivo e vitorioso.
Em nosso corpo Pitta gerencia a digestão (especialmente intestino delgado), o sistema cardio- vascular, as pernas e os pés, os olhos e a visão, as trocas gasosas nos pulmões, a assimilação dos alimentos, a atividade enzimática nas células.
Desequilíbrios de Pitta acarretam irritabilidade, impaciência, raiva e violência, intolerância, teimosia, bulimia, distúrbios sexuais, neuroses compulsivas, problemas gástricos, visuais, dermatológicos e cardio-vasculares.
O Dosha Pitta está relacionado a Guna Rajas (Fogo/Ar) e ao Chakras Swadhisthana (Água) e Manipura (Fogo).

Finalmente temos a Água e a Terra. Lembre que 2/3 do planeta e 2/3 do nosso corpo são feitos de Água!
A Água e a Terra em movimento em nosso sistema psico-físico chama-se Kapha.
Kapha fala do que há de mais material em nós, em todos os sentidos.
Gerencia a estrutura física e os líquidos corporais.
Em desequilíbrio leva à preguiça, ao desânimo, tristeza, depressão, avareza, excesso de apego, excesso de sono, bulimia, obesidade (retenção de gordura e liquido) e diabetes.
O Dosha Kapha está relacionado a Guna Tamas (Terra/Água) e aos Chakras Muladhara (Terra) e Swadhisthana (Água).
Procure se observar e se sentir a partir desta ótica dos Doshas. Eles não são meros rótulos, até porque estar em constante movimento e mutação é a característica inerente aos mesmos. Aonde e em que aspectos de você (no físico, no emocional e no psicológico) prevalecem os três Doshas? Perceba as mudanças ao longo do dia.
E trazendo o assunto para o Fogo Sagrado, procure observar os corpos energéticos em desequilíbrio segundo a ótica dos Doshas. De onde vem estes desequilíbrios? Que características e qualidades eles tem? Que tipo de qualidade está no pólo oposto?
Faça o mesmo exercício com as Gunas e os Chakras, que juntamente com os Doshas (e mais uma infinidade de sistemas dialéticos e conceituais), se apresentam como excelentes sistemas codificadores (e explicadores) do grande movimento universal, e de como este movimento e a Consciência subjacente a ele atuam em nós e em todo o Universo, e o que podemos fazer para nos manter em equilíbrio utilizando estes mapeamentos.


Ernani Fornari
Dharmendra

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