O que fazemos da nossa vida é o que nos define. Dessa
forma devemos vivê-la de uma maneira que faça jus ao que somos.
Acredito, inclusive, que quando fazemos o que gostamos deixamos um
pouquinho de nós em cada ação, e assim, temos uma chance maior de sermos
felizes. Entretanto, somos desencorajados a seguir os sonhos. Tratam,
logo cedo, de nos puxar para baixo e fazer com que aprendamos a olhar o
mundo com os olhos racionais. Essa lição é apresentada por
Saint-Exupéry, quando conta que frustraram o seu sonho de ser um pintor.
“As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os
desenhos de jiboias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferência à
geografia, à história, ao cálculo, à gramática. Foi assim que abandonei,
aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado
pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As
pessoas grandes não compreendem nada sozinhas e é cansativo, para as
crianças, estar toda hora explicando”.
A atitude tomada pelos adultos à época é a mesma que os adultos de
hoje tomam. Embora acreditem que enxergam melhor que as crianças. Em
verdade são cegos que não possuem o mínimo de sensibilidade.
Contemporaneamente a situação talvez tenha até piorado, uma vez que
devemos nos dedicar a atividades que nos garantam uma boa remuneração.
Logo, ser um pintor, como no caso de Saint-Exupéry, não faz parte do
jogo.
A falta de sensibilidade das pessoas não lhes permite entender que
alguém possa não querer fazer parte de um mundo pragmático e chato, em
que a única preocupação é ganhar dinheiro. Algumas pessoas são movidas
por paixões muito maiores que isso.
Determinar o que uma pessoa deve fazer é querer criar um exército de
pessoas completamente iguais. É retirar todo o colorido da vida, é
determinar o certo, o normal, é criar um padrão. Mas quem disse que
precisamos nos enquadrar a um estilo de vida que se guia pela idiotice
própria?
Diante da falta de sensibilidade dos outros – aos quais não conseguem
ver nada além das “coisas sérias” e, portanto, tentarão frustrar seus
sonhos – é preciso coragem para explorar as suas potencialidades. Ainda
que não receba apoio ou que lhe vejam como louco. É necessário entender
que não se adequar a uma sociedade doente é uma virtude.
A bem da verdade não é fácil contrapor-se ao sistema, mas ainda assim
é a única forma de presentear o mundo com o seu talento e a si mesmo.
Talvez, muitos não entendam, mas a arte para os artistas é algo
visceral, vem de dentro e precisa ser colocada para fora. E precisamos
da arte para abrilhantar o mundo ou para não morrer da verdade como
dizia Nietzsche.
Em um mundo que faz apologia a liberdade é paradoxal o comportamento
das “pessoas grandes”, pois como eu disse: É extremamente difícil
decidir seguir um determinado caminho sem apoio. Isto é, saber que
nadará contra a correnteza sozinho.
O resultado dessa falta de apoio é a formação de pessoas tristes, que
se sentem desencaixadas no mundo ou culpadas em relação ao que são e
gostam de fazer. Sentem-se culpadas por não serem burocratas. Contudo,
sem as pessoas com alma de artista, sem o lúdico a vida perde a graça,
perde o brilho, perde o riso.
Nem toda pessoa precisa de muito dinheiro para ser feliz. Algumas
pessoas vão além disso. No entanto as “pessoas grandes” são incapazes de
entender isso. Para elas se, por exemplo, um jovem pretende seguir uma
carreira que não se enquadra naquelas determinadas ‘como de sucesso pela
sociedade’, logo acabarão com o seu sonho e o incentivarão a fazer
Direito ou Medicina, que são carreiras de verdade.
Dessa forma, provavelmente, teremos um bom jurista ou médico, mas
perderemos a oportunidade de ter um excelente profissional em outras
áreas que por meio da sua arte encantaria multidões.
Precisamos aceitar que cada indivíduo possui suas peculiaridades. Que
somos movidos por coisas diferentes e que o pragmatismo com que levamos
a vida tira todo o seu encanto e a torna repetitiva, cansativa e chata.
Estamos enganados ao achar que as “pessoas grandes” tratam de coisas
sérias. Longe disso, estão cegas pelo orgulho ou como os burros que não
conseguem olhar para o lado. O sucesso da vida não está em ganhar
dinheiro, mas fazer o que lhe alegra e leve alegria para quem está ao
seu redor. Para isso faz-se necessário que encorajemos aqueles que, como
Saint-Exupéry, desenham jiboias engolindo elefantes e o mais
importante: tenhamos sensibilidade para diferenciar jiboias engolindo
elefantes, de chapéus. Mas isso é só para quem ainda sabe sonhar.
por Erick Morais
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