Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos
de Zygmund Bauman
Por Andrei Venturini Martins
Respeitado
sociólogo da atualidade, Zygmund Bauman é professor emérito de
sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia, e autor de diversas
obras publicadas como “O Mal-Estar da Pós-Modernidade”, “Medo
Líquido”, “Modernidade e Ambivalência”, “Modernidade e Holocausto”,
“Modernidade Líquida” e “Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços
humanos”. Nesta última obra destacada o autor estende o conceito de
“líquido” para as relações humanas na pós-modernidade. Mas o que
significa tal conceito? Trata-se de uma característica essencial da
pós-modernidade: tudo se torna frágil, duvidoso, frouxo, livre e
inseguro. Bauman estende o conceito “liquido” para entender toda
pós-modernidade e, muitas vezes, é criticado por isto. Todavia, naquilo
que diz respeito à obra Amor Líquido, o autor consegue
resultados consideráveis e, deste modo, ilumina as relações amorosas do
século XXI e destaca que a frouxidão é a principal característica de
tais relações. Bauman, logo nas primeiras páginas desta obra deixa claro
o objetivo do seu trabalho: “A misteriosa fragilidade dos vínculos
humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos
conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao
mesmo tempo mantê-los frouxos, é o que este livro busca esclarecer,
registrar e apreender.” (BAUMAN, 2004, p. 8). A fragilidade dos vínculos
humanos são misteriosos, conflitantes e inseguros na medida em que o
homem contemporâneo está abandonado ao seu próprio aparelho de sentido,
de modo que tal aparelho tem, ao mesmo tempo, grande facilidade de
conceder e descartar sentido nas “relações amorosas”. O homem moderno,
ávido por relacionar-se, ao mesmo tempo em que busca uma relação, e
desta maneira repudia a solidão, não abre mão de sua liberdade, e para
manter a liberdade mantêm a relação, entretanto com uma outra
configuração . Desta maneira, temos um novo modelo de relação amorosa: é
a relação líquida, frouxa. O homem moderno busca o outro pelo horror à
solidão, mas mantêm este outro a uma distância que permita o exercício
da liberdade. Diante da dúvida é que o outro e o eu se relacionam, toda
relação oscila “entre sonho e o pesadelo e não há como determinar quando
um se transforma no outro”. (BAUMAN, 2004, p. 8). A co-presença da
satisfação e insatisfação da relação traz mais uma vez a dúvida à baila:
devemos escolher sabendo dos riscos do nosso investimento, todavia, os
casais “estão sozinhos em seus solitários esforços para enfrentar a
incerteza.” (BAUMAN, 2004, p.10). Bauman deixa claro que a relação pode
acabar numa manhã de sol que o outro – este que um dia antes disse “eu
te amo – levanta-se da cama e exclama: acabou!Como entender tal
mistério? Quais idéias que se auto-organizaram para tal catástrofe? –
catástrofe para aquele que perde o objeto de amor “garantido”. Como
sobreviver depois deste salto, ou melhor, do céu ao inferno em uma
noite? “O amor, dirá Bauman, pode ser, e freqüentemente é, tão
atemorizante quanto a morte. [...] Assim, a tentação de apaixonar-se é
grande e poderosa, mas também o é a atração de escapar.” (BAUMAN, 2004,
p.23). Diante desta atração e medo o homem faz suas escolhas e Bauman
as analisa.
O relacionamento passa a ser um investimento: a satisfação e a dor
são proporcionais ao investimento. “Um dilema, de fato: você reluta em
cortar seus gastos, mas abomina a perspectiva de perder ainda mais
dinheiro na tentativa de recuperá-los. Um relacionamento, como lhe dirá o
especialista, é um investimento como todos os outros: você entrou com
tempo, dinheiro, esforços que poderia empregar para outros fins, mas não
empregou, esperando estar fazendo a coisa certa e esperando também que
aquilo que perdeu ou deixou de desfrutar acabaria, de alguma forma,
sendo-lhe devolvido – com lucro.” (BAUMAN, 2004, p. 28). O investimento
pressupõe “lucro” – uma relação firme e feliz capaz de gerar satisfação
para sempre –, todavia, não tendo este como resultado o que resta é uma
desolação de tempo perdido e trabalho desperdiçado como esforço inútil.
Baumam salienta que um relacionamento ocasionará muita “dor de cabeça”
(BAUMAN, 2004, p.8), mas antes de qualquer coisa e acima de qualquer
estância “uma incerteza permanente”. (BAUMAN, 2004, p. 29). O ar
pessimista da obra mostra que a mesma dificuldade que se tem para amar
pode ser transposta para a morte, pois é tão difícil aprender a amar
quanto a morrer.
Os “insights” de Bauman na obra “Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”
são inúmeros e destacam comportamentos do nosso dia a dia, do que há de
mais concreto na vida do homem moderno com suas relações de amor: seus
acessórios tecnológicos – que alimenta a crença de um mundo melhor e
tranqüilo –, a busca ensandecia pelo sentido, a crença no amor como
oasis em um mundo trágico e violento, as relações como uma rede
computacional, a imprevisibilidade das relações, a queda da distinção
entre o regular e o contingente, a traição, os relacionamentos de bolso –
que podem ser usados quando as partes bem entenderem –, o cartão de
crédito como forma de antecipação da satisfação, a subordinação do
amante e a opressão do amado, etc. “Todos os amantes desejam suavizar,
extirpar e expugnar a exasperadora e irritante alteridade que os separa
daqueles a que amam. Separar-se do ser amado é o maior medo do amante, e
muitos fariam qualquer coisa para se livrarem de uma vez por todas do
espectro da despedida. Que melhor maneira de atingir este objetivo do
que transformar o amado numa parte inseparável do amante? Aonde eu for
você também vai; o que eu faço você também faz; o que eu aceito você
também aceita; o que me ofende também ofende você. Se você não é nem
pode ser meu gêmeo siamês, seja o meu clone!” (BAUMAN, 2004, p. 29). O
relacionamento na pós-modernidade seria mais uma forma de massificação e
obliteração da subjetividade? A crítica filosófica – diante deste
ataque à capacidade humana de pensar, refletir e entender as relações –
seria uma forma de voltar à caverna para trazer à luz os casais presos e
encantados com as sombras da caverna? Bauman dá os primeiros passos
neste resgate.
Livro: Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos
Autor: Zigmund BAUMAN
Detalhes: Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006. Trad. Carlos Alberto Medeiros.
fonte : institutohypnos.org.br
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