terça-feira, 10 de setembro de 2013

TAL PAI, TAL MARIDO


Os pais têm total influência nas escolhas afetivas dos filhos 

Repare bem a personalidade, comportamento e a aparência do seu companheiro. Agora, tente compará-lo ao seu pai. Encontra alguma semelhança? Bem, de acordo com alguns estudos, seu pai provavelmente deve ter deixado em você uma herança que vai além da genética humana. Psicólogos e sexólogos brasileiros, além de pesquisas realizadas no exterior, atestam que as impressões causadas pelo pai durante a infância da menina podem influenciar na escolha do seu parceiro. Um estudo desenvolvido por psicólogos americanos e húngaros, publicado em uma revista inglesa, aponta que sogros e genros têm muito mais afinidades que diferenças. É, em se tratando da vida afetiva, qualquer semelhança com a realidade não tem nada de coincidência – é pura seleção natural!
A primeira experiência afetiva que o ser humano conhece são as vivenciadas dentro de casa, no contato com os pais ou responsáveis. "Alguns teóricos como Freud, Erickson e Piaget têm a infância como o período em que as transformações bio-psico-sociais se estabelecem e, com isso, ela se torna uma época importante na estruturação do indivíduo", conta a sexóloga Sheila Reis. Por isso, para alguns estudiosos do assunto, as meninas podem criar inconscientemente um estereótipo físico e de personalidade do pai que é usado como parâmetro para a escolha de um parceiro. Portanto, dependendo do modelo que se tem em casa, é possível a opção por homens mais tranqüilos ou instáveis, dependentes ou independentes, e assim por diante.
Pai, mãe e filho é a nossa primeira triangulação amorosa da vida. A princípio, o vínculo com a mãe é mais forte, mas o homem também é importante. A criança precisa do arquétipo masculino
Segundo a terapeuta e psicóloga Dra. Noemia Kraichete, é comum optar por um parceiro com o mesmo perfil paterno, mesmo que este não seja positivo. "O inconsciente costuma resolver aquilo que não foi resolvido, logo o indivíduo tenta solucionar o que ainda não foi esclarecido. Na maioria das vezes, acaba sendo igual. A gente repete até resolver". Seria exagero negar casos de moças que, por conta das péssimas lembranças da infância infeliz com o pai, tentam reconstruir suas vidas ao lado de um companheiro mais equilibrado, sem vícios. Contudo, na maioria dos casos, ela cai em outra armadilha. "Se o pai era alcoólatra, muitas vezes o parceiro da filha tende a ter outro padrão compulsivo, seja o trabalho, a comida, ou outra coisa. Isso acontece porque ela está acostumada com este estilo e não consegue entender a vida sem aquilo. Ela aprende a gostar assim", atesta a Dra. Noemia.
Mas é possível também fazer escolhas opostas. "Seria uma tentativa de recusa, mas de alguma forma a pessoa será afetada. Não adianta negar o pai ou a mãe. Eles existem e atuam em seus filhos. Sempre existirá esse confronto", confirma o psicólogo e professor de Psicopatologia da Uerj, Dr. Ademir Pacelli Ferreira. A psicóloga Sheila Reis revela ainda outra possibilidade. "Também posso buscar no outro aquilo que o meu pai não me deu, ou algo que me remeta a uma boa lembrança dele. Um pai muito negativo pode ter uma identificação ruim ao longo da vida. Na fase adulta, o filho certamente tratará as outras pessoas da mesma forma".
Um dos psicólogos responsáveis pela pesquisa citada no início da reportagem é o americano Glenn Weisfeld. Segundo ele, algumas evidências sugerem que fatores olfativos e visuais das meninas também possam estar ligados à escolha do parceiro. O estudo contou com a participação de 26 famílias com filhas adotivas. Os pesquisadores adotaram tal critério para determinar se as mulheres escolheriam alguém parecido com elas mesmas ou com seu pai. O resultado foi impressionante. Ficou evidente a semelhança entre sogros e genros, variando de acordo com o relacionamento pai/filha ao longo da infância. As moças que afirmaram ter tido uma boa relação com seus pais tendiam a ter parceiros mais parecidos com eles e os homens costumam optar por uma esposa parecida com a mãe. "Existem certas tendências, sim. A ligação do homem é maior com a mãe, enquanto a filha é mais próxima do pai", confirma o Dr. Ademir Pacelli Ferreira.

A infância é determinante
Na interpretação psicanalítica de Sigmund Freud, que destoa do estudo mostrado acima, a influência exercida pelo pai nos relacionamentos de sua filha se dá por conta da atração que as meninas sentem pelo genitor, também conhecido como Complexo de Electra. "Freud trata a questão como primordial na questão da mulher. É a paixão pelo pai", diz a Dra. Noemia Kraichete. Duas fases antes da chegada da adolescência são fundamentais para a formação do indivíduo, e a participação de mãe e pai é decisiva. A primeira acontece entre o segundo e o terceiro ano de vida, quando o vínculo com a mãe é mais forte, pois é o momento que a criança precisa de maior acolhimento e alimentação.
Aos seis anos, começa a diferenciação do que é certo e errado. "Pai, mãe e filho é a nossa primeira triangulação amorosa da vida. A princípio, o vínculo com a mãe é mais forte, mas o homem também é importante. A criança precisa do arquétipo masculino. Isso começa a se estruturar quando entra a lei do certo e o errado, entre os seis e os sete anos de idade. É a época de impor limites. No caso da menina, é fundamental ter a influência do pai nesta fase da vida, pois é o momento que ela saberá que o mundo é masculino e, entre outras coisas, terá que enfrentar um mercado de trabalho dominado pelos homens", relata a Dra. Noemia.
Mais tarde, entre os 12 e os 13 anos ocorre a iniciação da erotização da vida adulta. "É o momento de se reconhecer no outro, se apaixonar. Nesta época facilita a garota ter o padrão masculino bem definido. Ela precisará do outro para se complementar. E esse homem vem completamente revertido com as influências do pai da menina. Às vezes, ela inconscientemente projeta o rapaz como ideal, ao estilo do seu pai, mas quando casa percebe que não é nada daquilo", afirma a psicóloga. O modo como os pais se tratam em frente aos filhos (demonstrações de carinho, beijos, abraços) são elementos importantes, e captados pelos filhos ao longo de seus desenvolvimentos. Certamente vão dar base, muitas vezes, para escolhas afetivas das pessoas e como elas se relacionarão com seus parceiros. "Mesmo que seja para negar tudo aquilo que foi percebido ou vivenciado ao longo dos primeiros anos de vida, no âmbito familiar", complementa a sexóloga.

Fisicamente falando
Mas a parte física também tem grande importância sobre o assunto. "Pode ser que a mulher busque o que lhe é familiar com relação à raça e corpo. No Brasil é complicado avaliar isso. Em outros países, geralmente, elas se identificam com alguém parecido. Da mesma forma que também podem valorizar mais a cultura, o dinheiro, a raça, a cor dos olhos, a altura, entre outros aspectos, do futuro companheiro. É bem relativo", acredita a Dra. Noemia.
Quando perguntada se os casais reparam essas semelhanças externas, ela não duvida. "Cada família tem seus lemas, preconceitos e vozes do passado. No momento da união dos familiares do noivo e noiva já acontece a primeira 'briga' do casal. Quem vai prevalecer? Quem é a mais forte? Isso fica evidente no dia-a-dia e atrapalha a união se o casal não souber diferenciar as coisas". Os casais que dão certo são os que absorvem as novidades um do outro, como se fosse um novo software. "A relação homem X mulher é em quatro. Os inconscientes estão em jogo também, que são as necessidades e as coisas do passado ainda não resolvidas", afirma Noemia.
Em outra pesquisa, esta realizada por cientistas da Universidade de Chicago, 49 mulheres sentiram o cheiro da camiseta usada por dois voluntários. Eles não se alimentaram de comidas condimentadas, nem tiveram contato com animal de estimação e tampouco usaram desodorante e perfume. Tudo para não alterar o odor natural. As moças escolheram o cheiro que mais gostaram. Optaram justamente pelos rapazes que tinham genes mais parecidos com os de seus pais.

Presença masculina
A ausência do pai, por diversos motivos (falecimento, abandono, divórcio, residência em outra cidade ou país, entre outros), infelizmente, não é raro na vida de muitas pessoas, em alguns casos desde a infância. Qual a saída para uma educação adequada para essas crianças? "O tio ou outro homem pode substituir e fazer a função do pai. O contato físico tem importância no desenvolvimento afetivo e no conhecimento do corpo do outro. Seguramente, isso vai ter influência na relação com o homem futuramente no caso das meninas", diz o psicólogo.
A sexóloga Sheila Reis relata o caso de uma cliente ao reencontrar o genitor depois de alguns anos. "Assim que o viu e o sorriso dele se mostrou, comentou em sessão que ali entendeu a questão de referências e buscas: reconheceu naquele sorriso do pai, um dos atrativos masculinos que mais chamava a atenção quando se interessava por alguém".
Filha de pais separados, a advogada e bailarina Selma Rocha, lamenta não ter tido mais contato com o seu genitor durante a infância. Divorciada e mãe de um garoto de seis anos, ela faz questão que o filho veja o pai sempre que possível. "A mulher tende a ser mais egoísta no momento da separação. Minha mãe decidiu me criar sem a presença do meu pai por perto. Ela errou nesse ponto. Sei que o meu filho vai precisar desse contato, chegará uma hora que ele precisará do lado masculino e isso me preocupa", conta Selma. "O meu pai me fez muita falta. Sinto o trauma de criar um filho sozinha. Tem dia que fico triste, pensativa… Existe um questionamento interno", reconhece.

Homossexualidade
A possível influência paterna ou materna na homossexualidade dos filhos também foi posta em pauta. O tema é polêmico e tem várias vertentes em diferentes áreas. "Famílias em que os responsáveis tenham o hábito de discutir assuntos em relação à afetividade, as sensações e os sentimentos relativos à sexualidade, sem deixar de lado o respeito às diferenças e desejos do outro, contribuem, em muito, no desenvolvimento de uma consciência crítica do jovem. Com isso acabam por auxiliar seu filho para que as tomadas de decisões sejam mais responsáveis! Ferramenta valiosa para levar esse jovem a novas formas de ser e conviver com uma vida sexual mais plena e feliz!", aconselha a sexóloga.
Para os dois psicólogos entrevistados, não é possível garantir que a criação de um indivíduo seja preponderante na sua futura sexualidade. "A pessoa não nasce homossexual. É uma escolha como outra qualquer. Durante o passar dos anos, a libido se desenvolve com a identificação. São os clichês estabelecidos. Não existe mais essa história de patologia. A vontade da mãe para que seu filho seja feminino pode ter influência, mas ele poderá recusar isso quando se tornar homem, assim como não se identificar com o pai e ser feminino", explica Dr. Ademir. A sua colega de profissão tem opinião parecida. "É difícil caracterizar o a escolha sexual. Tudo que acontece com a criança é determinante, como humilhação e falta de apoio. Ela pode simplesmente não se identificar com o masculino da figura paterna, no caso dos rapazes. Desde muito cedo, algumas crianças desenvolvem características do sexo oposto, mas, futuramente, não escolhem parceiros do mesmo sexo", conta a Dra. Noemia.

Modelo ideal
Para encontrar o parceiro ideal, a sexóloga Sheila Reis acredita que o indivíduo deve criar o seu modelo, com as suas preferências. "Até quando se nega, quando se quer o oposto, que jamais vai repetir o que a mãe ou o pai vivencia ou vivenciou, até aí se têm eles como modelo. Aqueles que negamos também são referência para a busca. O mais sadio para uma relação é quando você entende que não adianta ter esse ou aquele como padrão, e sim quando você busca para si, criar o seu próprio ponto de partida. O que é bom ou não para o outro, não necessariamente vai ser para você, e para isso, você vai ter que aprender a assinar embaixo do seu desejo seja ele qual for. A responsabilidade por sua opção deve ser sua", afirma.
Conseguiu comparar características do seu companheiro com as do seu pai? Conforme as declarações dos especialistas, mesmo que poucas, elas devem existir. Muita gente ainda não conseguiu identificá-las, talvez por inconscientemente ignorá-las ou pelo simples motivo de não reconhecê-las.

 

 

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